Página Branca - Outubro




Quem é que alguma vez disse que o tempo não muda?! Que inocência dolosa (gozava ainda ter uma). É distraído, esse, talvez. Confiar que aquele homem, aquele lá na frente, o teu irmão, às vezes não te excede... Que asneira! Às vezes não sei contar nem os dias nem as horas, porque tu não estás cá, nesta cabana avariada, com o teu dedilhar da guitarra. Às vezes gostava que fosse sempre tudo igual, como no deserto ou como nas nuvens no céu. Só às vezes. 

Como tal e qual aquele cliché, aquele que conheces, sabes? E ainda, só faltam cinco minutos para ser daqui a bocado… e eu canto. Escrevo, pinto, desenho, crio algo que não existe ainda. Para chamar a atenção, para mim, dos que estão ocupados a olhar para outro quê qualquer. Mas a verdade é: pode ser sério mas eu consigo ver-te, sim. A ti lá longe no escuro! 

O som intermitente do ponteiro dos segundos ocupa-me as mãos e os ouvidos, mas não a memória. E sabes porquê? Porque ainda me lembro de todas as tuas palavras, e de como tu teimaste em abandonar. Em ir embora, para não ouvir o som dos minutos a fugir. Mas que importa? Sei que já explicaste: “Falha-me as lembranças”. Que desculpa! Não sabes o que é pingar do corpo, húmido, com o terror da palavra que delonga a chegar. 

Fizeste-me um tolo e tudo para conseguir, para que pudesses, arrastar pelo chão aquele momento que fizeste questão de marcar no livrete, aquele de capa preta. 

É agora o tempo de esquecer o relógio. Calçar os sapatos. Ir até lá fora.


André Crispim



2 comentários:

Santarosa96 disse...

Gostei bastante! Tens uma veia de escritor como poucas há! Continua!

Santarosa96

Anónimo disse...

Muito bom! Um texto bonito que enriquece o BT.
Continuem.

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