Ele,
que se Chama Homem Cego
Calhou cruzar-me um dia com um senhor. Perdão, cruzei-me com um Senhor. Ele trazia um fato liso e engomado, uma gravata escura e o rosto tinha-o digno, limpo e lavado. Tal como qualquer outro homem, vulgar. Perguntei-lhe o que fazia. E o que mostrava à gente como eu.
Não confiei dele. Entendi ser senhor brando. Quieto, meigo, leve talvez. Mas o olhar mantinha-o para adiante, caído nas pedras da calçada.
Estranhei… como se aceitasse a minha voz, não contestou. Não disse nada. Sorriu e avançou em frente, como se percebesse o caminho, avançou em frente.
As outras gentes andavam e passavam por nós a notar o terreiro. Nós que caminhávamos, lado a lado. Eu e o tal senhor.
Continuámos em silêncio. Como se ouvíssemos o agitar dos urbanos numa maneira tão augusta que nem lembra pensar noutra coisa! A Estrela e as sombras combinavam (dificilmente se distinguiam para as mirar) enquanto cruzávamos as ruas e vielas, daquelas casas idosas…
Finalmente parou.
Num esforço de apoio, contou-me que já acendeu e apanhou o lume do fogão. Os olhos azuis fitavam a pujança, que ardor (que queima a pele e sangra o coração). Mas quem és tu? Que nem chama nem nada hás-de ver! Quem és tu que és entulho, mas sem crer? Que nem se consegue ver ao espelho para se estranhar a si mesmo!
E o senhor acabou por me sorrir apenas. Sem saber por onde andava. Mas sabendo para onde ia. Marchou em frente e seguiu caminho. Viu-se ainda o jornaleiro, a gritar-lhe a ele, que se chama homem cego.
André Crispim
Categoria:
Página Branca
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Tu tens futuro :)
(ramadas)
Bonito!
Simplesmente lindo!
Clap, clap, clap.
Muito bom...simplesmente....
Enviar um comentário