Página Branca - Março




Filme a Preto e Branco

No outro dia dei por mim especado a olhar para a TV. Pela primeira vez vi como deve ser e de olhos atentos os seus contrastes, e as suas cores, em escala cinza. E depressa me lembrei de uma tela de tecido que vi antes, grande como as dos cinemas, onde não havia nada projectado, só o branco das paredes. 

Veio-me à memória uma coisa que vi antes, o projeccionista mostrou-me, a volta rápida da película, sobre uma luz a preto e branco. Foi numa primeira vez quando estive naquela cabina de metal, o camarote do senhor, como as que têm nos cinemas, como as que mostram os filmes, a preto e branco. 
Eles lá tocavam o trompete e o piano, não sei como, não havia som, não havia volume... 

Olhei para a TV e voltei-me para os actores, tão pequenos naquela caixa e reparei que passavam por lá, de um lado para o outro, e ignoravam-me. Escondiam-se pelo cenário, confiantes que não os visse. Até que chegou a uma cena que tinha na memória. Era um rapazinho a correr na rua, naquela “calçada imunda”, de pés descalços, de cara suja. 

Ele viu-me e falou-me, num tom mudo que não percebi, ele bem gritou e saltou, para saber que era eu que estava ali. De camisa e boina rasgados e sapatos rotos, de mãos vazias e olhos cansados. 

Foi assim uma memória, turva numa imagem desalinhada, nessa película de cópia corrente, nesse filme a preto e branco.

André Crispim



0 comentários:

Enviar um comentário

Mensagens Recentes Mensagens Antigas Página Inicial