[Análise] Journey



ANÁLISES




















Mais uma vez, sinto-me num impasse. À imagem de quando escrevi a minha última (e até à data única) análise para o Gamer Source. Como é que se analisa jogos tão singulares como Journey e To the Moon? Estes são jogos que desafiam o próprio conceito de vídeo jogo, mas os dois são espetaculares por seu mérito próprio e por razões distintas. Mais, acho que é um pouco ingrato ter-se de escrever sobre Journey, porque sinto que a melhor maneira de se desfrutar deste é começar a jogar sem saber nada sobre o jogo da thatgamecompany. No entanto, sinto-me obrigado a falar sobre ele porque quero que o maior número de pessoas possível tenha o prazer de o jogar. Mas o melhor é passarmos à análise propriamente dita.


Veredito

Numa indústria marcada pela busca do lucro o mercado indie é um oásis de criatividade. Infelizmente, muitas das vezes estes desenvolvedores têm problemas como o financiamento, visto que não têm o apoio de grandes publicadores prontos a dar milhões para verem o próximo FPS genérico ser lançado. Mas a thatgamecompany encontra-se numa posição ideal em que tem a liberdade artística e criativa de uma software house indie e o apoio monetário de uma grande publicadora que é a Sony (é por esta razão que o jogo é exclusivo para a Playstation 3). Os resultados estão à vista.

Em Journey somos uma pequena figura vestida com um robe vermelho, que se assemelha a um Jawa do universo Star Wars. No início do jogo não nos é dado qualquer contexto. Apenas nos é apresentado o nosso avatar e um deserto. Uma duna apresenta-se à nossa frente, e ao subirmos, uma grande silhueta aparece-nos à frente, no horizonte, de uma montanha que parece irradiar uma luz. Não há nada que nos diga “Hey! É este o objetivo! É por esta razão que tens de ir para ali!”. Não, somos como que atraídos para a tal montanha porque é o único ser que podemos ver, além da areia. Aparece também o nome do jogo, e este será a única forma de texto presente ao logo da experiência.

Quem diria que uma cascata de areia é mais fantástica que uma de água?

Felizmente, o jogo tem outro tipo de edifícios, que fazem lembrar templos, todos com algum tipo de puzzles ambientais e secções de plataformas. O jogo baseia-se todo à volta de uma espécie de tecido mágico de que é feito um cachecol que cresce à volta do pescoço da personagem quando colecionamos uns símbolos brilhantes que se encontram espalhados pelo jogo. Ao fazê-lo aumentar, podemos saltar mais alto do que anteriormente. Mais, há também pedaços deste tecido espalhados pelo cenário, e também uma espécie de seres vivos feitos do mesmo tecido que nos ajudam a saltar ainda mais alto do que saltaríamos normalmente. E esta é a única ação que podemos efetuar no jogo, para além de um pequeno som que podemos efectuar, sendo então preciso apenas dois botões e os dois analógicos. Simplicidade que faz lembrar alguns jogos retro. A progressão faz-se acedendo a uma espécie de portal.

Entre os níveis seremos premiados com cutsceanes. Nestas, será nos apresentada a história, por meio de animações esteticamente espantosas. Esta consiste em algum tipo de cataclismo que fez com que tudo ficasse coberto por areia e por alguma razão chegar à montanha é algo importante. Pelo menos, é o que uma personagem parecida à nossa, apenas maior e com vestes brancas, nos parece dizer. Uso termos vagos porque na realidade, a história está completamente aberta à interpretação de cada um, e não desejo condicionar o leitor. Não é o ponto mais forte de Journey mas é sem dúvida interessante, especialmente pelo tal fator de interpretação individual. Infelizmente, as cutsceanes, por espantosas que possam ser, quebram um pouco o jogo, e levam com que a imersão seja interrompida. Preferia ter visto outro tipo de maneira de trazer a história ao jogador, de uma forma porventura mais interativa.

Uma estética fascinante

Apesar de Journey ser mais jogo que Flow e Flower, os outros dois jogos produzidos pela thatgamecompany, algumas convenções a que estamos tão habituados nos vídeo jogos aqui ou estão totalmente ausentes, ou têm alguma diferença que faz com que o jogo pareça inovador. Por exemplo, neste jogo não morremos. Pelo contrário, quando os nossos inimigos nos atacam a penalização acontece no cachecol, que diminui, e portanto, não vamos poder saltar tão alto como anteriormente. Pode parecer que por não morrermos o jogo se torna menos interessante, mas devo dizer que houve momentos em que senti medo genuíno. Muito devido à atmosfera pesada de algumas secções. Nada comparada com a do primeiro Silent Hill, mas também assustadora nessas mesmo secções.

Uma das primeiras coisas que se nota em Journey é que este é um jogo completamente bonito. Dos mais bonitos que já joguei nesta geração. Não é só a fidelidade gráfica, que já agora é bastante elevada, especialmente para um jogo de distribuição digital. O que realmente brilha e Journey é a estética. A forma como a areia se movimenta por causa do vento. A arquitetura dos templos que encontraremos, que estão quase ao mesmo nível de genialidade e criatividade de Ico. O pôr do sol e como este bate na areia. E o jogo da thatgamecompany tem também bastante diversidade, para um jogo tão curto. Iremos atravessar desertos, neve e grutas. E os momentos finais do jogo são seriamente das cenas mais graciosas que já vi em qualquer forma de arte.

O que será mais bonito, a imagem concetual, ou o jogo em si?

O som ajuda bastante também. A música acompanha na completa perfeição o que se passa no jogo, tornando as cenas dramáticas ainda mais dramáticas, e dando um toque de excelência incrível. Este é um jogo que prova que a banda sonora adequada torna um jogo tão mais fantástico e emotivo. Porque também sentimos com os ouvidos.

Uma das coisas que está muito bem conseguido é o multiplayer. O que acontece é que durante o jogo pode aparecer-nos outra personagem. Ao início, não sabia se era um NPC ou outro jogador, mas depressa me apercebi que estava agora a jogar com outro ser humano. Não há qualquer identificação com quem é que jogamos (se bem que nos créditos será nos apresentado com quem partilhámos esta jornada), e não há grande interação com o outro jogador. No entanto, é reconfortante saber que temos alguém que nos acompanha durante tal experiência. A comunicação com o nosso companheiro também é feita de um modo muito interessante. Ao pressionarmos o círculo no Sixaxis, emitiremos uma pequena nota musical, de que falei anteriormente. E é só isso. Por mais estranho que pareça, isto funciona a maior parte das vezes, se bem que de vez em quando apeteceu-me gritar com o meu parceiro “chega aqui!”.

A simbologia da montanha é dada por cada jogador

Quanto à longevidade, este é um pau de dois bicos. Com cerca de três horas, é um pouco pequeno. Mas assim é perfeito para se jogar de uma vez do princípio ao fim, a maneira correta de se desfrutar de Journey. E com o preço de 13 euros, não é um investimento assim tão grande. É também um jogo que certamente se deve passar múltiplas vezes. Até agora, já o joguei do início ao fim por três ocasiões, e tenho a certeza que este será daqueles jogos que uma vez de dois em dois meses pego. Portanto, é uma longevidade pequena disfarçada.

É difícil transmitir por palavras a sinestesia que é Journey. Cor, movimento, som, tudo se junta para formar um dos melhores jogos desta geração. Não é só um jogo divertido e inspirador, é também, no nível técnico, admirável. A forma como o nosso lenço esvoaça é bastante realista assim como a forma como a areia se comporta. Todos os jogadores devem ter o prazer de o jogar pelo menos uma vez. Infelizmente, é exclusivo da Playstation 3, mas o contrato de três jogos com a Sony terminou com Journey, e portanto a thatgamecompany poderá futuramente produzir jogos para outras plataformas.

Por vezes é preciso parar e contemplar


Mais do que os gráficos, o que salta à vista é a estética admirável.





Simplicidade, simplicidade e mais simplicidade. São as três palavras que definem a jogabilidade em Journey. E adivinha lá, funciona às mil maravilhas!





Mais um excelente exemplo de como a música pode tornar uma experiência eletrónica tão mais memorável. Complementa na perfeição o que se passa no jogo.





Um pau de dois bicos. Apesar de ser pequeno, um preço baixo, a “rejogabilidade” e a possibilidade de se passar o jogo todo de uma vez fazem com que Journey tenha uma longevidade quase perfeita.





Aberta à interpretação de cada um, é interessante por esse mesmo fator.




Fala-se sobre a falta de criatividade na indústria, e na utilização de temas recorrentes, mas a thatgamecompany já provou ser o apogeu da inovação na plataforma da Sony. E Journey é o apogeu da thatgamecompany. Se Flower foi um título refrescante e relaxante, este é tudo isso e mais. Épico, e sobretudo memorável. Esperamos seriamente ver mais títulos vindos destes senhores. Ao longo da análise não quis usar lugares comuns, mas vejo-me obrigado a utilizar a expressão popular que, para mim, traduz na perfeição Journey. Não é sobre o fim, mas como chegas lá.


Pronto para uma nova viagem?



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