- Realizador: Martin Scorsese
- Argumento: Martin Scorsese e Jay Cocks
- Actores: Andrew Garfield, Adam Driver e Liam Neeson
- Género: Drama/História
- Duração: 2h 41min.
Veredicto
A minha crédula paixão por cinema é substancialmente composta por grandes realizadores e os seus respetivos filmes. Apesar de ser apenas um de muitos cineastas que idolatrizo, Martin Scorsese consegue criar em mim uma imediata urgência no que diz respeito à visualização dos seus filmes. Isto deve-se muito provavelmente à qualidade exorbitante existente nos seus projetos, sendo muito raras as vezes em que a desilusão se apodera da minha alma cinéfila. Contudo, alguns são os filmes que nos deixam sentimentos contraditórios na hora de os criticar. Não é que a sua qualidade seja questionável ou favorável, mas a sua apreciação é deveras difícil de formular.
Silence é uma dessas obras! Através de uma análise mais pessoal, posso afirmar que o filme tem elementos suficientes para que o adorasse, no entanto o tema pesado aqui explorado cria em torno do espetador uma difícil apreciação da sua arte. Por outras palavras, este é um filme depressivo que retrata a condição humana sem precedentes. Mais do que uma passagem histórica real e crua, o romance de Shusaku Endo – autor da obra original – descreve a rutura do Homem enquanto ser crente da espiritualidade e do ubíquo.
“Porém, é neste preciso momento que é possível visualizar a hipocrisia humana. Destaco "humana", pois existem falhas comportamentais e sociais de ambos os lados.”
A narrativa acompanha a demanda de dois padres portugueses – Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) – que partem em direção ao Japão com o principal objetivo de encontrar o padre e mentor Cristóvão Ferreira (Liam Neeson), visto existirem alegados rumores de que este tinha cometido apostasia. Ademais, para além da importante procura, seria essencial continuar a partilha da "palavra de deus" perante os respetivos apoiantes do catolicismo. Porém, é neste preciso momento que é possível visualizar a hipocrisia humana. Destaco "humana", pois existem falhas comportamentais e sociais de ambos os lados.
O século XVII ficou marcado no Japão pela indesculpável perseguição ao cristianismo, torturando centenas do seu próprio povo sem escrúpulos. Os seus métodos eram cruéis, atrozes e injustos para um povo tão inocente e pobre, no entanto o seu enorme sucesso perante os crentes era a principal razão destes continuarem. As culpas do sofrimento das almas perdidas eram atribuídas a todos os padres jesuítas, criando assim um ciclo de consequências algo paradoxas. A teimosia por parte dos cristãos criava o desenrolar destas ações desumanas, todavia a barbaridade aplicada pelos japoneses provinham da sua própria vontade.
“Sem querer estar a dar demasiado ênfase ao lado mais negativo da minha opinião, devo dizer que Silence pareceu-me ser uma versão para M14 de "A Paixão de Cristo".”
Silence atinge algumas questões com sucesso. Coloca em jogo a verdadeira crença dos seus seguidores e discute-se o injusto silêncio de deus perante o sofrimento de quem o tanto ama. Posto isto, o filme carrega nos seus ombros uma mensagem deveras profunda e digna de ser explorada. Como ateísta, tive talvez maior facilidade em visualizar os erros de abordagem em ambos os lados. Nenhum estava completamente certo nem completamente errado, mas ambas as estratégias de interação falharam completamente.
Analisando o filme de forma mais crítica enquanto produto de entretenimento, devo afirmar que existem alguns problemas criativos. Sem querer estar a dar demasiado ênfase ao lado mais negativo da minha opinião, devo dizer que Silence pareceu-me ser uma versão para M14 de "A Paixão de Cristo". Infelizmente, penso que a sua longa duração foi extremamente desnecessária, criando uma experiência imensamente pesada. Talvez este tenha sido um dos principais objetivos – alcançando-os com sucesso através dessa perspetiva – mas o longo (leia-se extremamente longo) sofrimento das personagens acaba por prejudicar a visualização do filme.
A realização por Martin Scorsese e a cinematografia ao encargo de Rodrigo Prieto estão maravilhosas, sendo que cada frame parece retirada de uma pintura. A direção artística fez-me lembrar os filmes clássicos de Akira Kurosawa, não existindo maior elogio do que a comparação positiva entre um dos melhores cineastas que vieram a este mundo.
Silence em níveis técnicos é fantástico, apresentando um trabalho cinematográfico de brilhante qualidade. Infelizmente, a sua história provavelmente funciona melhor em literatura do que aplicada ao grande ecrã. Os temas de espiritualidade e sofrimento dos nossos semelhantes devem ser refletidos de uma forma literária, deixando os nossos pensamentos, imaginação e crença falarem por si. Não obstante, Silence é um filme com imensa qualidade e prova que há espaço para trabalhos de carácter e pensamento intrapessoal. Após décadas de tentativas, Martin Scorsese consegue finalmente realizar o seu projeto de sonho com a qualidade a que sempre nos habituou.
Categoria:
Cinema
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