Crónica 6: Guerra (e como é retratada nos jogos)



CRÓNICAS



War. War never changes.


É assim que Fallout começa a apresentar a sua fictícia terceira guerra mundial. Os conflitos bélicos datam desde o nascimento do primeiro hominídeo, e ao longo dos anos, têm evoluído. Não é preciso irmos muito longe para vermos a evolução da guerra. No mundo, guerras como a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietname foram guerras abertas, com dois opositores bem definidos, com teatros de guerra enormes. A guerra colonial portuguesa foi mais uma guerra de guerrilha (excepto provavelmente quando esta rebentou), e a guerra moderna é mais especializada.

A arte sempre a retratou. Seja o Guernica de Picasso, For Whom the Bell Tolls de Hemingway e All Quiet on the Western Front de Milestone , a guerra sempre foi retratada com exatidão e beleza. Nos vídeo jogos, no entanto, não há qualquer obra que o tenha feito. Não falo em termos de gameplay, ou em aspetos técnicos, até porque há jogos como os da série Operation Flashpoint e ArmA que tentam ser realistas ao máximo. O que ainda não foi retratado por sucesso são os sentimentos inerentes aos conflitos armados. Sejam os maus, como traumas de guerra, sejam os bons, como a camaradagem e o sentido de dever.


E porque será? A resposta que tende a ser dada é que não há mercado. Que o comum jogador só quer saber de disparar. Infelizmente, hoje em dia um vídeo jogo dos ditos “AAA” são muito caros de fazer (e por isso é que tenho a inclinação que o primeiro jogo deste tipo sairá do mercado indie), chegando por vezes às centenas de milhões de dólares. No entanto, acho que o interesse está lá. A indústria já não está populada apenas por pré-adolescentes que se insultam mutuamente online. A demografia do vídeo jogador atual já é de um jovem adulto, e este já está preparado para uma experiência diferente. Mais, se olharmos para outro tipo de artes, como por exemplo o cinema, vemos que os filmes de guerra ainda são bem recebidos e movimentam muitos milhões. Este é mais um sinal que o público quer mais do que os seus Rambo's ou os seus Battlefield's.

Outro argumento muito usado é que a sociedade não iria aceitar um vídeo jogo que retratasse a guerra, como não o aceitou outrora. Temos por exemplo Six Days in Fallujah, um jogo em terceira pessoa que gerou controvérsia por se basear na famosa Operation Iraqi Freedom, especialmente na segunda batalha de Fallujah, uma ofensiva conjunta das tropas norte-americanas, britânicas e iraquianas em 2004 contra os insurgentes iraquianos. Alguns soldados sentiram-se ofendidos por esta guerra poder ser retratada num vídeo jogo, e a controvérsia foi tal que a Atomic Games, produtora do jogo, não arranjou qualquer publicador que tivesse a coragem de lança-lo, visto que a Konami desistiu de fazê-lo, o que levou eventualmente ao despedimento de muitos dos que trabalharam no jogo.


É verdade que esta batalha é relativamente recente, e é sempre difícil para, seja que meio for, retratar confrontos bélicos recentes, porque estes levantam sempre muitas questões e polémica. Mas o pior é que a indignação não foi toda por causa de quando foi feito o jogo, mas especialmente por este o ser. Isto é, por ser um vídeo jogo, e não um filme ou um livro. E isto cria uma certa barreira a quem quer fazer uma obra sobre um conflito armado recente. Até porque este não é caso único e jogos como Medal of Honor já tiveram problemas por trivialidades como a possibilidade de se jogar no lado dos insurgentes. Mas nem tudo são más notícias. No ano passado, o Supremo Tribunal Norte-Americano meteu os vídeo jogos sobre proteção da quinta emenda, o que garante poderes de liberdade de expressão. E isto é uma grande vitória.

Também há quem diga que um jogo destes não seria divertido. Tenho de dar ênfase que um jogo desta natureza não teria por objetivo retratar a vida de um militar, mas sim um conflito armado. Mas mesmo assim, teria de ser um jogo bem mais slow paced do que os shooters atuais. Primeiro de tudo, porque não estaríamos a matar milhares de inimigos. Aliás, se o retrato de um combate bélico fosse mesmo fiel, provavelmente nem estaríamos muito tempo a disparar. Aconselho vivamente a quem gosta de história militar a ver um documentário britânico “The truth about Killing”.

O que acontece é que em 1947 S. L. A. Marshall, um historiador norte-americano que se ocupou da Segunda Guerra Mundial e da Guerra das Coreias entrevistou milhares de ex-combatentes na Europa e no Pacífico, e o que descobriu chocou meio mundo. Marshall não entrevistou engenheiros, médicos ou cozinheiros, mas apenas membros da frente de guerra. Estes eram os tipos duros, que o exército norte-americano tinha escolhido para fazer parte da sua infantaria, para disparar sem ter qualquer receio. E o que ele descobriu foi incrível. Quando estes entraram em contacto direto com o inimigo, menos de um quarto tinha disparado.


Mas o mais notório é que entre os que o fizeram, a percentagem que realmente atirou a matar era bastante baixa. Vinte e cinco porcento? Dez? Cinco? Nenhum destes números, mas uns meros dois porcento. Novos estudos seguiram após o de Marshall, e a força aérea averiguou que mais de metade das mortes inimigas foi causada por apenas um porcento dos seus operacionais. Atualmente, os números são bastante diferentes. Hoje em dia, os soldados são preparados psicologicamente para matar, sendo que novos estudos sugerem que noventa porcento dos soldados norte-americanos são capazes de atirar contra o inimigo. No entanto, e se os militares já não têm problemas em matar, o trauma após a bala perfurar o inimigo continua lá.

Então e como é que se simula no jogador este medo de tirar a vida a alguém? Como se faz alguém realmente preocupar-se em matar um inimigo que não passa de código, mantendo o jogo divertido? A resposta à primeira pergunta é complicada. Estamos habituados no mundo virtual a disparar sem nos perguntarmos o porquê. Não quero dizer que isto seja mau, eu próprio gosto de mindless shooters, mas isto cria um grande entrave a quem quer fazer o jogador pensar um pouco sobre o que está a fazer com a carabina que tem nas mãos. É um grande desafio, mas quem não gosta deles?

Quanto à segunda pergunta, na minha opinião é um pouco mais fácil. Há um género que pode transmitir diversão aos jogadores, e este é o survival horror. Imaginem a tensão de estar em patrulha em Cabul. A ânsia provocada por se estar a proteger um local chave em França durante a Segunda Guerra Mundial. Seria uma boa maneira de manter o jogador divertido, sem haver um disparo. Há muitos exemplos de jogos que nos dão poucas balas que não deixam por isso de ser divertidos. Isto teria de obviamente ter os seus twists, até porque se o medo é um dos sentimentos que está presente numa guerra, este não deve ser o principal. O sentido de dever para com a equipa e para com o que estamos a defender (seja o nosso país, uma opinião política ou uma religião) também tem de ser simulado, assim como uma panóplia de sinestesias que só os vídeo jogos podem fornecer.



Dito isto, o que faz com que as software houses continuem com o pé atrás em recriar uma guerra de uma maneira realista, dando ênfase no fator humano? Não estará a indústria ainda preparada para receber a sua epopeia? Na minha opinião, a indústria está mais do que preparada, assim como os jogadores. Agora, é mais arriscado lançar uma obra séria do que o Call of Battlefield 3: Black Ops 7, agora com mais um fantástico modo palhaços zombie (pensando bem, não é total má ideia, tomai nota Activision). É preciso apoiar todos os jogos que tenham uma posição mais séria para com as batalhas, para darmos um sinal de que de vez em quando gostamos de largar o comando e ficar com qualquer coisa cá dentro. Para os produtores tenho uma mensagem: Tenham coragem senhores!


Não se preocupem, a parte dois da crónica do mês passado vai chegar para o mês que vem. A verdade é que Fevereiro foi bastante preenchido e não tive tempo para chegar nem a metade do que quero jogar no Skyrim e apenas joguei umas cinco a seis horas o Final Fantasy. Portanto, terá de ficar para Março. Para saberem mais sobre esta experiência, sigam-me no twitter em twitter.com/juicy690.



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