No início deste ano, Tim Schafer
começou uma tendência muito interessante. O lendário designer de clássicos de
culto como Full Throttle, Grim Fandango e The Secret of Monkey Island não conseguia
arranjar os fundos necessários para voltar a fazer o tipo de jogos em que é
mestre, os jogos de aventura point and click. Os publicadores negaram-lhe
várias vezes o dinheiro necessário para fazer um jogo de um género que achavam
morto, que não teria o apelo comercial de um qualquer outro FPS genérico.
Então, Schafer fez algo um tanto ou pouco inesperado, pediu aos jogadores, aos
fãs, o dinheiro necessário para conseguir fazer acontecer o Double Fine Adventure.
Criou uma página no site de crowdfunding Kickstarter esperando fazer o
necessário para trazer o seu projeto do papel para as mãos dos jogadores. Nas
palavras de Schafer, o que poderia correr mal?
Em apenas 8 horas, Tim tinha
gerado os 400 mil dólares necessários para fazer o jogo. Em 24, tinha
ultrapassado 1 milhão de dólares. Quando o prazo de 30 dias para o
financiamento do jogo acabou, a Double Fine tinha conseguido uns assombrosos
3,3 milhões de dólares (quase 2,6 milhões de euros) para financiar o jogo, e um
documentário sobre a sua criação. Após o sucesso espantoso de Schafer, outros
projetos apareceram. Uma sequela a Wasteland, o relançamento de Leisure Suit
Lary (o original, não de nenhuma das
atrocidades modernas), uma sequela a Shadowrun, mas também jogos originais,
como Nekro, um jogo de ação ao estilo de Dungeon Keeper, com um artstyle
espantoso, Echoes of Eternia, um RPG clássico e Takedown, um FPS tático, isto
tudo só no site Kickstarter, sendo que há outros sites de crowdfunding
populares, como o IndieGoGo e o RocketHub que também tiveram uma explosão de
jogos financiados. A pergunta que se levanta é, o que significa isto para a
indústria?
Para se produzir um jogo é
necessário arranjar-se um publicador que ajude com fundos, com a distribuição e
marketing do jogo. Em troca, o publicador recebe uma boa parte das vendas e
muitas das vezes, fica com a propriedade intelectual (IP) do jogo, isto é, com
os direitos. Se o estúdio quiser fazer uma sequela ao jogo, terá primeiro de
pedir à distribuidora que disponibilize o IP. Se a publicadora quiser, pode dar
o IP a outro estúdio para fazer outra sequela, sem qualquer consentimento
necessário por parte do estúdio criador do jogo original. Depois, não é
obviamente qualquer jogo que é aceite pelas empresas de distribuição, porque
para o mal ou para o bem, as empresas não estão dispostas a correr riscos com
géneros que possivelmente não lhes trarão receita.
O sonho de qualquer desenvolvedora
de videojogos é de ter a independência financeira necessária para lançar o jogo
que quiser, e consequentemente e em regra, o que os jogadores querem. Mas isto
acontece com um número muito reduzido de estúdios, e apenas os ditos triplo A
conseguem chegar a este estatuto. Mas finalmente, e pela primeira vez na
história da indústria, há uma segunda opção para quem faz os jogos, o
crowdfunding. E isto são boas notícias para o consumidor, porque a tão
conhecida frase, “votar com a carteira”, e de que sou totalmente apologista,
nunca teve uma situação tão apropriada.
Agora os estúdios podem
finalmente servir aos nichos de mercado. Géneros ditos mortos podem ver novas
entradas nascer com este modelo de financiamento. Géneros como os de aventura,
RPGs “oldschool”, shooters táticos. Sequelas que os fãs desejam e pelas quais
os publicadores não se interessam. Jogos antigos que podem ver relançamentos
fantásticos, com grafismo melhorado. Mas talvez o melhor desta prática, o mais
excitante e apetecível são os jogos novos, de pessoas novas na indústria, que
com os orçamentos pequenos que conseguem formar através do crowdfunding que doutra
maneira não conseguiriam, vão, pelo menos no papel, nos trazer jogos realmente inovadores
e revolucionários.
No papel, é claro, porque tudo isto pode ir por água abaixo. Por muito má que tenha sido a minha pintura dos publicadores, há benefícios de trabalhar com um. Designers novos podem aprender muito com um distribuidor experiente, e estar preso a um prazo pode ser uma coisa boa. E o futuro desta tendência está inevitavelmente marcado pelo sucesso dos agora jogos financiados. Mais tarde ou mais cedo, um destes projetos irá falhar, e uma legião de outrora apoiantes do jogo virá pedir o seu dinheiro de volta, e pôr-se-á em causa se o crowdfuning é mesmo uma prática de negócio viável e confiável. E por muito excitante que esta moda possa ser, os números do dinheiro que se tem arrecadado não está à altura de qualquer jogo triplo A.
Na minha opinião, os prós
ultrapassam, e de que maneira, os contras. Não vamos ver o próximo Bioshock ou
o próximo Super Mario Galaxy a nascer daqui, porque infelizmente, nunca seremos,
os jogadores, capazes de chegar aos algarismos necessários para fazer um jogo dessa
magnitude, mas tenho uma grande esperança que o próximo Cave Story, o próximo
Minecraft possa sair de um projeto do Kickstarter ou de qualquer outro site de
crowdfunding. A indústria indie ficou assim, bastante mais forte e resguardada.
E, ei, nas palavras do grande senhor que é Tim Schafer, o que pode correr mal?
Categoria:
Crónicas
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