[Análise] The Last of Us



ANÁLISES





















Este ano chega ao fim mais uma geração de consolas, e está na altura de dizer adeus à PlayStation 3, que acompanhou muitos de nós desde o seu lançamento há praticamente seis anos. Muitos foram os exclusivos que acompanharam os utilizadores das consolas da Sony produzidos por um bom número de produtoras first party. E talvez o mais conceituado estúdio nesta situação é a Naughty Dog, responsável pelas trilogias Crash Bandicoot, Jak and Daxter e, nesta geração, Uncharted.

É, sem dúvida, um registo impressionante. Falamos de três dos melhores jogos das suas respetivas consolas. Quando, em 2011, foi anunciado que o estúdio estava a produzir um jogo de acção situado num mundo pós-apocalíptico, as expectativas subiram até à estratosfera, tendo o hype crescido ainda mais com a promessa de uma jogabilidade virada mais para a exploração do que a de Uncharted, acompanhada por uma narrativa forte e madura. 

Veredicto

O jogo começa no ano de 2013, no dia de anos de Joel, um pai solteiro que vive no Texas com a sua filha, Sarah. Nessa noite, uma infeção mutante de um fungo que transforma o seu hospedeiro humano num assassino raivoso surge nos Estados Unidos. Quando Joel, o seu irmão Tommy e Sarah tentam fugir, um soldado dispara sobre a miúda e Joel vê a sua filha morrer nos seus braços. Após 20 anos, o mundo onde vivemos está completamente mudado e os únicos sobreviventes vivem em zonas de quarentena, em grupos rebeldes ou em grupos nómadas.

Joel vive agora na zona de quarentena de Boston e trabalha com a sua amiga Tess como contrabandista. Vemos então Joel e Tess a tentar caçar um gangster local, que lhes roubou as armas. Antes de o matarem, o ladrão diz que as armas encontram-se agora na posse dos Pirilampos, um grupo que se rebeliou contra a autoridade militar das zonas de quarentena. A líder do grupo, Marlene, promete-lhes o dobro das armas que foram roubadas a Tess e Joel para que entreguem uma miúda, Ellie, a membros dos Pirilampos que se escondem fora da zona de quarentena.

O instinto de sobrevivência é constante
Quando o grupo tenta escapar, Joel, Ellie e Tess encontram-se com uma patrulha, onde é revelado que Ellie está infectada. No entanto, a infeção ainda não se espalhou pelo corpo da rapariga, o que não é normal visto que Ellie já se encontra infectada há muito tempo. Isto só pode significar uma coisa, a miúda é imune. Ellie pode ser a chave para criar uma vacina que livrará o mundo do estado apocalíptico em que se encontra. Na tentativa de escapar, Tess é mordida e escolhe sacrificar-se para que Ellie consiga sobreviver com a ajuda de Joel, que promete à amiga que levará Ellie para os Pirilampos. Começa assim uma viagem pelos EUA que nos levará a sítios como Boston, Pitsburgo e o Condado de Jackson.

Esta é a premissa do jogo e é a partir daqui que The Last of Us desenvolve a relação entre Joel e Ellie que é a estrela da narrativa do jogo. Nota-se um crescimento das emoções partilhadas por ambos, sempre de uma forma surpreendentemente madura. As interações entre os dois são uma alegria de observar. Ellie tem cerca de 14 anos e portanto, nasceu já num mundo pós-apocalíptico e não sabe o que é viver num mundo normalizado. Por isso é espetacular ver a miúda descobrir um mundo que lhe é alienígena. Esta não é uma história sobre as intenções políticas dos Pirilampos ou dos militares, apenas é a história de Joel e Ellie.

Joel também cresce na sua viagem pelos EUA, especialmente a forma como vê Ellie. Se no início se opõe à ideia de levar a pequena para um local seguro, afirmando que não há qualquer tipo de cura possível, Joel começa a gostar de Ellie e cria uma ligação afectiva bastante forte, semelhante à de um pai para uma filha. E isto também é verdade para quem joga. Durante o jogo, senti uma conexão com Ellie estranhamente forte e rara num vídeo jogo. Isto deve-se talvez pela humanidade que a narrativa dá a todas as suas personagens. 

A relação entre Joel e Ellie é um dos pontos fortes do jogo

Todos os encontros que temos fazem-nos conhecer alguém que podia ser nosso vizinho. Todos são visivelmente humanos e todos tentam adaptar-se a um mundo apocalíptico à sua maneira. Pelo menos, na versão inglesa. As vozes e mesmo o diálogo na versão portuguesa europeia estão no máximo fracos, sendo que há uma tradução quase directa, erradamente feita, do inglês para o português. Destaca-se pela negativa a prestação de Marcantónio Del Carlo, que dá a voz a Joel, que é a mais fraca do jogo. Nota-se um exagero de emoções que nada contribui para a personagem. 

Pessoalmente, prefiro a versão original em inglês, até porque o jogo é sobre uma viagem pelos EUA e a história é bastante americana. Isto não quer dizer que esta exclua o público que não seja norte-americano, apenas nota-se que quem tem um conhecimento da cultura dos Estados Unidos poderá tirar mais da história. História essa que é linear, não havendo escolhas morais a atrapalhar. Esta foi uma decisão inteligente por parte da Naughty Dog. É uma história que não dá espaço ao jogador de fazer escolhas, mas assim temos uma experiência muito mais concentrada e centrada na viagem de Ellie e Joel, que são as estrelas do jogo, e não no jogador e as decisões que este possa querer tomar.

A Natureza é lixada...
Uma história escrita de forma brilhante cheia de revelações e momentos que são realmente tensos e inesperados, acompanhados por plot holes menores que são habituais de narrativas sobre o apocalipse  mas que quase nada retiram à experiência. É, no entanto, uma história madura, que trata de temas bastante negros e que não é indicada a toda a gente. O tom não podia ser mais diferente do de jogos anteriores da Naughty Dog, nomeadamente o de Uncharted. Se Drake é um explorador engatatão e engraçado, Joel é um sobrevivente que faz tudo para viver só mais um dia e para que Ellie se mantenha segura.

E esteticamente a brutalidade também é transparecida, com animações brilhantemente horríveis. Isto é, são das melhores animações que já vi num jogo, e no entanto, são agressivas e bestiais. É normal verem-se cabeças a explodir, membros a saltar e as animações de morte de Joel, especialmente quando a lutar com infectados, são perturbadoras. Este é um jogo violento porque está inserido num mundo violento. É das melhores utilizações da violência num videojogo, sendo que me chegou a deixar enojado com algumas imagens verdadeiramente gráficas. Brilhante!

O que dizer sobre os ambientes que Joel e Ellie atravessam... No interior, há uma atenção exímia no detalhe. Todas as casas, escritórios, cozinhas e hotéis que visitamos parecem reais, como se alguém pudesse mesmo ter vivido ou trabalhado ali. Mas, como disse anteriormente, o jogo passa-se em 2033, 20 anos depois do início da infecção, e a grande parte destes ambientes estão degradados. É fantasticamente bonito ver a natureza a reclamar locais que outrora eram exclusivos aos humanos. Quer sejam as heras gigantes que sobem aos edifícios, quer sejam os animais que vagueiam pela cidade, tudo nos faz recordar que este é um mundo muito diferente do que o que em vivemos, e muito mais brutal.

Os cenários são lindos e variados
Tecnicamente, os visuais são espectaculares  O sistema de iluminação é dinâmico e este será talvez o jogo graficamente mais impressionante que é possível encontrar numa consola. A lanterna de Joel que cria sombras nos adversários e nos ambientes, os raios de sol, a utilização de lens flare e a mudança da quantidade de luz que recebemos fazem com que o trabalho de iluminação seja o ponto alto do jogo em termos gráficos, simulando muitas vezes até a forma como o olho humano reage à luz. É difícil de explicar isto por palavras, mas em movimento o jogo é um mimo.

Os modelos das personagens também são um ponto alto. Detalhadas e com grande realismo, nota-se que tempo foi gasto em todas as personagens do jogo. Quer seja Ellie e Joel, as várias personagens que encontramos na viagem, os inimigos ou os infetados, todos parecem reais e como deveriam parecer. Especialmente os clicadores, uma das espécies de infetados que podemos encontrar em The Last of Us que têm uma enorme infecção fúngica na cara. O jogador pode também comprar, com créditos ingame, roupa para Ellie e Joel no menu principal, assim como outros extras como arte conceptual e poder jogar o jogo com alguns filtros como sépia e preto e branco.

Quanto ao som, temos em mãos um trabalho sonoro fantástico. Tudo soa como devia soar, e os pequenos grunhidos dos infectados fazem com que o jogo possa ser por vezes um pouco assustador. Não estamos a falar de um Silent Hill, mas por vezes a minha pulsação subiu, devido também à conjugação dos visuais, do som e, claro está, da música, que assenta como uma luva no jogo. O jogo depende muito de instrumentos de cordas, e a composição do argentino Gustavo Santaolalla, responsável pela música dos filmes Babel e Brokeback Mountain, merece ser ouvida fora do jogo.

Enfrentar fisicamente um infectado é mais arriscado do que com uma arma de fogo
O que nos leva ao gameplay. The Last of Us partilha mecanicamente algumas semelhanças com Uncharted. É um jogo, na sua base, linear, e o combate com armas é bastante igual. Mas as semelhanças morrem aqui. As balas são escassas, e como tal, o objectivo do jogo não é disparar sobre tudo o que respira, sendo que é preferível utilizar uma abordagem mais furtiva muitas das vezes. Os vários tipos de inimigos, humanos e infectados, obrigam o jogador a mudar de estratégia. Até há diferenças entre infectados, com os corredores, que correm atrás do jogador e são fortes em números, e os clicadores, que são muito mais difíceis de matar, mas são cegos, obrigam a uma abordagem diversificada.

Também há um elemento de exploração, que aliado a arenas enormes faz com que um jogo linear pareça bastante aberto. Existe um sistema de elaboração de utensílios como facas que são utilizadas para matar os inimigos de forma silenciosa, kits médicos, cocktails molotovs e outros explosivos, que são elaborados com itens (como panos ou álcool) que o jogador apanha ao explorar os cenários. Toda a elaboração destes utensílios é feita em tempo real, e muitos dos utensílios são elaborados com os mesmos itens, portanto o jogador tem de escolher quando e quais os utensílios que quer elaborar de forma estratégica.

Os NPC's amigos não atrapalham o jogador, só contribuem para a experiência
E para se matar os inimigos podem-se usar armas de fogo, que vão desde um revólver a um arco e flecha e todas elas podem ser melhoradas ao encontrarem-se peças e depois disso mesas utilizadas para o efeito. As peças são universais e também é preciso então escolher-se bem o que fazer e quais as armas melhorar primeiro. No cenário também podem ser encontrados medicamentos que são utilizados para melhorar alguns atributos de Joel, como a precisão com as armas de fogo e incremento no dano que a personagem pode sofrer. 

Todas estes melhoramentos fazem com que haja um sentido de progressão ao longo do jogo. No fim da sua viagem, Joel estará mais forte e mais bem equipado. Para além disso, obriga o jogador a fazer decisões, muitas vezes à pressão, o que traz maior profundidade ao jogo. Mais, a pouca munição obriga também o jogador a utilizar todas as armas do seu inventario. Por muito que se goste mais de uma arma do que outra, o melhor é habituar a todas e utilizá-las de forma estratégica consoante as situações.

O sistema de cover está muito bem conseguido
E a furtividade é a melhor solução para a maioria das situações. O jogo não conta com um sistema de cover normal em que a personagem se "cola" a uma parede, mas um muito mais dinâmico, em que Joel se pode abaixar e encostar a qualquer superfície que bloqueie a visão do oponente. Pequenos sons são indicadores do quão escondidos estamos, e se fomos ou não detectados. Ao carregar no R2, Joel consegue ouvir os adversários e assim localizá-los, o que é uma grande vantagem, mas que nem sempre deve ser confiado, já que se o adversário estiver quieto sem fazer barulho não poderá ser detectado.

Os mecanismos de stealth estão razoavelmente bem implementados. Os inimigos não são super-homens, mas também não são burros, e ficam alerta quando Joel faz barulho. No entanto, por vezes podem estar a olhar directamente para Joel e não atacar, ou podem ser alertados por aparentemente nada. Mas o pior é que ignoram por completo Ellie e outros NPCs amigos, o que destrói um pouco a imersão no jogo. Gostava de ter visto um pouco mais de encontros com os infectados já que esses encontros são, geralmente, mais entusiasmantes e intensos e acontecem em menor número.

Os NPCs amigos são sempre úteis, ajudando a matar inimigos e encontrando balas para Joel. Podem também salvar a nossa personagem quando esta está em perigo, mas também podem ser mortos e consequentemente falhar-se o nível por causa disso. Felizmente, isto nunca é irritante nem acontece demasiadas vezes, tendo acontecendo só uma vez no meu playthrough em dificuldade Normal. Resumindo, ter NPCs connosco nunca é chato nem sequer enervante, e adiciona muito à experiência.

The Last of Us é um jogo psicologicamente pesado
Quanto ao combate, quando Joel é encontrado pelos infectados, não há muito que fazer sem ser fugir e tentar matá-los, já que a força deste tipo de inimigos está no número. Eles não têm qualquer interesse de preservação da sua vida e tudo o que têm em mente é matar, matar, matar. Estas situações costumam desenrolar-se bem, mas de qualquer maneira é preferível evitar o confronto directo com os infectados já que não é fácil matar um grande número deles. 

Já no que toca ao combate contra não-infectados, a história é diferente. Estes escondem-se e comportam-se de forma geralmente bastante humana e inteligente, flanqueando o jogador, tentando encurralar Joel e Ellie. No entanto, por vezes podem cometer actos estúpidos como correr sem se baixar, sendo fácil matá-los. Não acontece demasiadas vezes, mas chega para se notar. 

A furtividade é essencial
Resta dizer que o jogo tem ainda alguns bugs, sendo que tive de recomeçar uma missão durante o meu playthrough, e que em termos de performance pode baixar um bocado os seus frames aquando do combate armado. Nota-se que a Naughty Dog puxou mesmo o sistema ao seu máximo. Claro que, devido à tentativa de ser o mais realista possível, qualquer pequeno glitch ou bug salta à vista de uma forma bastante agressiva. No entanto, isto são apenas algumas instâncias no jogo e apenas distraem um pouco da imersão que de outra maneira é constante e fantástica.

A dificuldade também está mesmo no ponto. Em modo Normal, o jogo não é muito difícil nem é muito fácil. Requer alguma paciência para passar algumas partes mas nunca senti que o jogo fizesse batota ou não encontrei uma secção impossível. Para quem se sente mais à vontade, recomendo passar o jogo em Difícil, já que é a forma como o jogo foi desenhado para ser jogado. Menos balas, menos itens, menos tudo, e inimigos mais mortíferos fazem com que o jogo seja ainda mais brutal e ainda mais imersivo. Uma nota final para o pacing do jogo, que é perfeito. É mais calmo que a maioria dos jogos de acção do mercado, mas isso só joga a seu favor. Alterna muito bem secções de combate com exploração e narrativa. 

The Last of Us conta também com um modo online de multiplayer competitivo, em que o jogador tem de escolher entre duas fações. Apenas há dois modos de jogo, um com respawns e outro sem. Não é algo que deva tomar muito tempo do vosso jogo, joguei cerca de duas horas e achei-o um pouco acima de mediano. Distingue-o apenas a implementação de algumas mecânicas do singleplayer, como a elaboração de itens e algumas implementações de meta game que são apenas uma novidade sem qualquer interesse.

A exploração é fortemente incentivada e recompensada



Um dos jogos mais bonitos que já passaram por uma consola, tecnicamente é impressionante o trabalho e a importância dada à luz no jogo, que faz com que The Last of Us tenha uma vibe cinematográfica. Esteticamente é soberbo, com interiores e exteriores de tirar a respiração. Os modelos de jogo e as animações são sublimes, como sempre. Só peca por fazer descer momentaneamente os frames em sequências de combate.



Tem uma profundidade que não se encontra noutros jogos da Naughty Dog, e apesar de ser uma experiência linear, ao jogar não o parece. A mistura da furtividade com os tiroteios está muito bem implementada e as diferenças entre os inimigos obrigam o jogador a utilizar diferentes estratégias. Por outro lado, a IA inimiga pode por vezes estragar a imersão.



Excelente trabalho do compositor do jogo, Gustavo Santaolalla, que elaborou uma soundtrack cheia de cordas que faz por vezes lembrar um pouco músicas dos spaghetti westerns e que sempre complementa o jogo, dando-lhe ainda mais emoção. As músicas podem até ser ouvidas por si só. O trabalho sonoro também é de salutar, com tudo a soar como é suposto. Nota menos boa para a dobragem em português europeu.



É por si só um jogo bastante aceitável, especialmente comparando com os outros jogos da Naughty Dog, podendo durar cerca de 14 horas no primeiro playthrough. No entanto existe o modo Game Plus, que deixa o jogador recomeçar o jogo com os mesmos upgrades e itens com quais terminou podem estender essas 14 horas para o dobro. Já o multiplayer deixa algo a desejar, sendo que não consegui tirar mais de 2 horas deste modo.
A Playstation 3 despede-se com um grande exclusivo que faz justiça à consola, mas também que confirma a Naughty Dog como o estúdio vencedor desta geração. É um jogo brutal, e por essa razão não recomendo a toda a gente. Pode dar alguns enjoos à barriga, mas a experiência sobrepõe-se a tudo isso e mesmo o final traz uma grande revelação. Todas as suas falhas são fáceis de esquecer olhando para a experiência como um todo. Este é um jogo que quem gosta de narrativas fortes e tem uma PlayStation 3 tem de jogar. Mal posso esperar por ver como serão os jogos do estúdio na PlayStation 4, dentro ou não deste universo fantástico.



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