[Análise] Beyond: Two Souls



ANÁLISES





















Três anos passaram desde o lançamento de Heavy Rain, um drama interactivo que foi bem recebido quer pelo público, quer pela crítica, produzido pelo estúdio Quantic Dream. E com Outubro chegou às lojas Beyond: Two Souls, mais um exclusivo da PlayStation 3 e o mais recente jogo feito nos estúdios da Quantic Dream sobre a supervisão de David Cage. Com os nomes de peso de Ellen Page e Willem Dafoe, Beyond promete juntar uma narrativa forte a boas performances de actores conhecidos.

Veredicto

Beyond: Two Souls conta a história da vida de Jodie Holmes, interpretada por Ellen Page, e o seu crescimento até uma jovem adulta. Jodie nasceu com um dom bastante estranho: a capacidade de ver o que outro ser humano nunca viu. E o que Jodie vê é Aiden, um espectro com quem desde que se lembra tem uma conexão quase física. Jodie consegue sentir a sua presença e comunicar com ele, ao contrário de toda a gente que a rodeia. Já Aiden consegue interagir com objectos e pessoas, o que muda radicalmente a vida de Jodie.

A rapariga é obrigada a ir viver para um laboratório do Departamento de Actividades Paranormais, onde fica ao cuidado de Nathan Dawkins, interpretado por Willem Dafoe, que se torna assim a figura maternal e paternal da pequena Jodie. A história é contada de uma forma não linear e não cronológica, com pequenos bocados da vida de Jodie a serem contados por sequências diferentes. E isto prejudica bastante a sua narrativa.

A história torna-se inicialmente confusa, saltando por várias alturas da vida de Jodie de uma forma quase esquizofrénica. E quando, com mais algumas horas de jogo, se começa a entender acontecimentos passados, estes acontecimentos deixam de ter o poder narrativo que supostamente deveriam ter. Mesmo muitas das sequências não fazem sentido no cômputo geral da narrativa. Num momento Jodie é agente da CIA, no seguinte é uma sem abrigo e no outro vagueia no deserto, e a forma como Jodie chegou a cada uma destas situações é muitas vezes mal explicada, e isto é quando chega a ser explicada.

As várias secções estão interligadas de maneira bastante pobre


E depois temos as personagens. Para uma história que é tão expansiva em termos cronológicos, não existem mudanças graduais na forma de ser face aos acontecimentos. E o ofendedor máximo neste ponto é mesmo Nathan Dawkins, a personagem de Willem Dafoe, que perto do fim do jogo se torna, e de um momento para o outro, inexplicavelmente diferente.

Mesmo as personagens mais secundárias acabam por ser desinteressantes por serem tão uni-dimensionais  Ao longo do jogo encontram-se várias pessoas que apenas gozam de uma única característica, que são quase como caricaturas ambulantes. Ou outras deixam de ter peso e são pouco explicadas.

No entanto, e há que dizê-lo, a actuação de todos os actores é bastante agradável, com as linhas de diálogo a serem entregues de forma natural e com bastante sentimento. Ellen Page faz um trabalho bastante bom, mesmo que a escrita não seja a melhor. Isto porque o diálogo apesar de ser bem declarado, é muitas vezes ridículo. Não recomendo a versão portuguesa, que não é nada de especial, e faz com que o jogador perca as performances dos actores envolvidos.

Willem Dafoe está bastante bem no jogo


Beyond: Two Souls é jogado com uma mistura de opções de diálogo, quick time events e activando os poderes de Aiden. E o que há a dizer sobre a jogabilidade de um jogo como Beyond? Primeiro de tudo, quando Heavy Rain colmatava a sua óbvia falta de acção com escolhas que realmente poderiam mudar o rumo da história, Beyond: Two Souls aposta no contrário, com escolhas muito superficiais e mais alguma acção na sua jogabilidade.

Não existe jogo mais linear que Beyond, as escolhas dadas durante o diálogo são mesmo muito superficiais, sendo que apenas se pode ter mais alguma informação que pode ser ou desinteressante, ou rapidamente esquecida. A história será, basicamente, sempre igual cada vez que se joga, o que retira diversão e longevidade a um já curto jogo. Já as secções de acção, quando Jodie precisa de fugir ou lutar contra um adversário, são um misto de frustração com desinteresse.

Quando há uma secção de acção, o tempo abranda e o jogo fica a preto e branco, sendo que o jogador tem de pressionar rapidamente o analógico na direcção para onde o corpo de Jodie está a mover-se. A ideia em si não parece má de todo, já que poderia trazer alguma frenética à jogabilidade. No entanto, a execução não é a melhor. Nem sempre é fácil ver para onde o corpo de Jodie se está a mover, o que leva a alguns enganos desnecessários. Mas o pior de tudo é que é impossível "perder" em Beyond. Mesmo que o jogador erre, a acção continua e não há penalidade para o erro.

Secções que tentam ser emocionais tornam-se "meh"


O que nos traz à jogabilidade com Aiden, a parte mais interessante do jogo. Pelo menos, no papel. Utilizar as suas capacidades resume-se a mover objectos, interferir com aparelhos ou, se estivermos a falar de combate, matar ou possuir o adversário. O problema é que nada de interessante sai daqui e sempre que se tem de usar Aiden o jogo parece incrivelmente scripted, o que é obra num jogo desta natureza.

Pode-se matar e possuir inimigos sim, mas só os que o jogo quer que o jogador mata ou possua. Não há explicação para isto e retira qualquer tipo de sentimento de acção no jogador, que se limita a descobrir por que ordem quer Beyond que se mate ou possua inimigos, sendo impossível "brincar" com os poderes de Aiden. Nem sequer existe um puzzle minimamente interessante com o poder de interagir com objectos.

Até o simples acto de usar Aiden é algo desorientador, porque este é, basicamente, uma câmera livre controlável pelo jogador. Os controlos para a deslocação são bastante estranhos e levam algum tempo a habituar. Já para a interacção, parecem desprovidos de qualquer peso. Por exemplo, empurrar um objecto é executado com os dois analógicos, puxando-se para trás e posteriormente para a frente. No entanto, por mais rápido que se faça este movimento, a força com que Aiden atira o objecto não é alterada, apenas pelo tempo que os analógicos estiverem puxados para trás, o que faz parecer o controlo bastante pouco natural.

Beyond leva-nos através da vida de Jodie


Graficamente o jogo está bastante bem executado, com ambientes detalhadíssimos e realistas. Mesmo que todo o detalhe não seja aproveitado para dar alguma interacção aos ambientes, é sempre divertido ver o interior de novas casas. Mas o design do exterior também não fica nada atrás, com ambientes tão variados como o deserto e a Sibéria. Em termos de animação o jogo é misto, com uma animação facial nunca antes vista. L.A. Noire sente certamente inveja de Beyond neste aspecto. No entanto, o movimento é mais estranho e computorizado, o que pode estragar a imersão do jogador, assim como os constantes pop-in de texturas.

Em termos sonoros, a música de Beyond é algo esquecível. Sinceramente, é difícil de me lembrar de uma ocasião onde esta tenha adicionado algo ao jogo, para além de barulho de fundo. Falta de impacto. No entanto não é certamente má. Já toda a sonoplastia é boa e contribui para o sentido de realismo.

O problema de Beyond: Two Souls não é a sua indecisão entre ser um filme ou um videojogo.
Beyond é um jogo mais do que decidido, e quer ser um filme. O problema está que a sua narrativa nem sequer chega a ser mediana. Uma jogabilidade despida de qualquer interesse devido a acções sem consequência e poderes espectrais fracos, aliada a uma narrativa esquizofrénica com personagens sem qualquer profundidade, fazem de Beyond um jogo mau. A actuação de alguns dos seus actores de peso e a qualidade gráfica e estética do jogo elevam Beyond: Two Souls à mediocridade.

Pedia-se muito mais à Quantic Dream




Em termos técnicos são admiráveis, com o tamanho bastante aceitável de algumas das secções e os movimentos faciais dos vários actores. Esteticamente também são muito bons, com ambientes detalhados e variados, assim como bastante realistas. Só peca pelo movimento, que parece um bocado robotizado, assim como constantes pop-in de texturas.



Escolhas de diálogo inconsequentes, secções de acção frustrantes e desinteressantes, falta de penalidade pelo erro, poderes de Aiden mal desenvolvidos. É uma lista que deixa qualquer um triste. No entanto, esta funciona e não encontrei nenhum bug maior no jogo.



A música nem atrapalha nem contribui para o desenrolar dos acontecimentos. Torna-se bastante esquecível e desinteressante. A sonoplastia é boa.



Em dois dias acabei o jogo, num playthrough que durou menos de 9 horas. Jogar duas vezes está fora de questão. Não só pela aparente falta de interesse que tenho pelo jogo mas também porque não há razão para o fazer. A história será sempre igual cada vez que a jogar.




O pior crime de Beyond: Two Souls é ser desinteressante. Se for amigo. Porque mentes mais cínicas poderão chamá-lo secante. Com uma jogabilidade tão mal executada, a única maneira de o salvar seria através de uma narrativa interessante. Mas nem isso está lá. Fãs incondicionais de Heavy Rain poderão encontrar algo que gostem em Beyond: Two Souls. Todos os outros deverão evitá-lo.



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