[Análise] Puppeteer



ANÁLISES





















Apesar de rapidamente nos estarmos a aproximar do lançamento de uma nova geração de consolas, a PlayStation 3 parece querer despedir-se em grande com o lançamento neste ano de exclusivos de peso como God of War: Ascencion, The Last of Us e Beyond: Two Souls. No meio desta lista impressionante, e algo escondido, encontra-se Puppetteer, um jogo produzido pela Japan Studio e que tem como diretor Gavin Moore, que trabalhou anteriormente nos jogos da série Siren.

Segundo Moore, o jogo nasceu da junção entre a sua necessidade de criar algo menos convencional com um teatro tradicional japonês de marionetas onde o cenário está em constante alteração. Moore também quis criar um jogo que aprouvesse a miúdos e graúdos, retirando também algo das obras de Tim Burton e Terry Gilliam, misturado com o humor dos Monty Python. Se este parágrafo não vos deixa interessado no jogo, então não consigo conceber o que deixará.

Veredicto

Puppeteer conta a história do pequeno Kutaro, um rapaz cuja alma foi aprisionada numa pequena marioneta sem cabeça e posteriormente trazida para o reino da lua para servir o Rei Urso, que governava tiranicamente há três anos, tendo usurpado o trono à benevolente Deusa da Lua, roubando-lhe a Pedra Lunar Negra e um par de tesouras mágica, a Calibrus. O Rei Urso também surripiou a Pedra Lunar Branca, que partiu em 12 cacos e partilhou entre os seus 12 generais com a condição de estes o servirem e o protegerem durante o seu reinado.

Encontramos Kutaro numa masmorra, onde é salvo por Ying Yang, um gato voador que lhe fornece algumas cabeças suplentes e que ajuda a marioneta a chegar à cozinha onde deverá falar com Ezma Potts, a pior bruxa cozinheira de todo o universo. Kutaro rapidamente se alia a Potts, que lhe indica que a única maneira da pequena marioneta voltar a tornar-se num terráqueo menino é se derrotar o Rei Urso da Lua, e para isso, primeiro de tudo tem de reaver a Calibrus e depois derrotar todos os 12 generais.

O jogo em si tem início no castelo do Rei Urso da Lua, onde Kutaro tem a missão de reaver a Calibrus. Missão esta que o rapaz consegue executar com sucesso, o primeiro menino-marioneta a fazê-lo, segundo a bruxa. Sobre a alçada de Potts, Kutaro segue depois para a Torre do Cavaleiro, onde adquire o Escudo do Caveleiro, liberta Pikarina, a filha do Sol  que foi transformada numa pequena fada, e destrói o general Tigre. Com Pikarina do seu lado e a ajuda da Bruxa, Kutaro parte assim por uma aventura fantástica pelos vários reinos da Lua para concluir a sua demanda.

Ezma Potts tem um papel fundamental na história de Puppeteer

Como mencionei anteriormente na introdução da análise, Puppeteer baseia-se fortemente no teatro, e isto é visível na sua narrativa. A história contada no jogo é de uma fábula ocidental, repleta de bruxas, cavaleiros, fadas e dragões, mas que também retira muitas ideias da cultura oriental, nomeadamente os 12 generais, que são os 12 animais do zodíaco chinês. Não é uma história totalmente infantil, porque contêm alguns momentos mais pesados, com almas a serem destruídas e a presença de um ou outro nível mais assustador, no entanto isto não será nada que atormente uma criança com mais de 10 anos.

A narrativa é cativante e tem uma beleza infantil que leva os jogadores a recordarem outros tempos de histórias da carochinha e de contos populares intemporais  No entanto, o que brilha mesmo é a escrita que está simplesmente soberba. A tradução portuguesa é, de caras, a melhor que já vi num videojogo, usufruindo a seu bel-prazer de vocábulos e expressões típicas do português, sendo muito raras as traduções literais a partir do Inglês. É também mais uma componente que ajuda à sensação de estarmos a assistir a uma peça de teatro, pois a forma como as personagens e o narrador comunicam é digna de um palco.

É também notório que a demanda de Kutaro e Pikarina transforma os seus intervenientes. No início Kutaro, que é uma personagem muda, comporta-se de forma bastante temerária e receosa perante todos os perigos que se lhe apresentam. Com o aprender de novas habilidades e a ultrapassagem de desafios, Kutaro parece muito mais confiante e heróico, sendo que toda esta mudança é magistralmente demonstrada através da sua linguagem corporal. Até Pikarina, que inicialmente desconsidera o pequeno menino, com o passar do tempo glorifica Kutaro como o verdadeiro herói que ele é. Dá uma enorme ideia de progressão e é raro ver algo assim num jogo de plataformas.

Pikarina é uma companheira com bastante personalidade

O humor é também fantástico. Retira sem dúvida muito do humor nonsense dos Monty Python, com personagens estranhas e muitas vezes maradas que deixam qualquer um com um sorriso nos lábios. E o jogo proporciona muito disso, sorrisos, pois é espectacular no modo como consegue agradar dos 8 aos 80 anos. Muitas piadas serão apenas entendidas por jogadores mais velhos, sendo que este é um humor bastante apurado e inteligente. Muito do humor dá-se também nas picardias entre o narrador e Pikarina, que ao longo do jogo desenvolvem uma relação de competição que pode deixar mesmo os jogadores a rir bem alto.

Mas passemos agora a outra parte fundamental do jogo, o gameplay. Puppeteer é um jogo de plataformas em 2D, dividido em 7 actos e cada acto em 3 cortinas, ou se preferirem, 3 níveis. Este é um side-scroller atípico que se baseia nos poderes da Calibrus para a sua movimentação. Está presente o habitual correr e saltar, mas a tesoura mágica traz uma camada nova e inovadora ao jogo. Por vezes é preciso recortar objectos de papel (como por exemplo folhas de uma planta de vime) para chegar a locais onde o salto não nos leva. Isto faz com que o jogo ganhe verticalidade e se torne mais interessante, sendo que também não é algo que se confunda com um gimmick.

O combate baseia-se igualmente na utilização da Calibrus e Kutaro pode recortar muitos dos inimigos que encontra. Esta secção do jogo não é especialmente interessante, pois todos os vilões que não sejam bosses são fáceis e chatos de derrotar, apesar do variado arsenal ao nosso dispor. No entanto estes contam para a completação do jogo, já que em todos os níveis é necessário despachar todos os inimigos para se obter uma pontuação de 100%. E por falar em completação, as cabeças de Kutaro são também um elemento fundamental do jogo.

O pequeno rapaz pode encontrar cabeças diferentes com a ajuda de Pikarina, que é controlável com o segundo analógico. A filha do Sol tem de procurar pelo cenário vários objectos que possam conter cabeças, e a maneira de fazer isto é carregando no R2 ao pé de alguma coisa que pareça suspeita no segundo plano. Para dar um exemplo, ao tocar numa gárgula no fundo, Kutaro pode ganhar uma nova cabeça de gárgula. Há 100 cabeças ao longo do jogo para coleccionar.

Tudo serve de desculpa para os modelos das cabeças, até um gancho de pirata

Estas são utilizadas como pontos de vida, sendo que Kutaro só pode ter 3 ao mesmo tempo e quando este é atingido por um inimigo a que está utilizar no momento cairá, e se o jogador não a voltar a apanhar dentro de um curto espaço de tempo irá perdê-la. As cabeças também são usadas quando a sua imagem aparece durante o jogo, e se o jogador accionar o poder especial da cabeça certa, uma de quatro coisas podem acontecer. Ou o jogador ganha centelhas lunares, o equivalente às moedas no Super Mario, ou seja, 100 centelhas equivalem a uma vida, ou ganhará mais cabeças, ou terá acesso a um atalho ou ajuda durante uma boss battle, ou terá acesso a um nível bónus, já que existe um por cada cortina do jogo.

Os níveis bónus têm como objectivo agarrar todas as centelhas lunares. Não costumam ser interessantes em termos de gameplay nem sequer longos, sendo que não contêm mini-jogos ou gameplay diferentes do encontrado no jogo "normal", mas têm sempre o seu próprio tema estético e comentários das personagens, o que os torna algo encantadores. A implementação das cabeças torna o jogo mais lento, porque o jogador é incentivado a parar e procurar todo o cenário por novas cabeças. E baixar o ritmo do jogo só beneficia Puppeteer, já que dá mais tempo ao jogador de ouvir o que as personagens dizem e apreciar os detalhados cenários criados pela equipa da Japan Studios.

Apesar disto, a recompensa pela exploração não é fantástica, já que o jogo não é difícil e, consequentemente, as centelhas lunares são algo ignoráveis, até porque nem sequer contam para a percentagem de completação. Mas o diálogo que ocorre entre a Pikarina e o Narrador sempre que se encontra uma nova cabeça e a possibilidade de ver mais algo engraçado, já que muitas vezes acompanhada de uma cabeça está uma animação divertida, fazem com que tudo isto acabe por valer a pena para o jogador que está embrenhado no jogo. Kutaro também encontrará quatro utensílios dos quatro cavaleiros que darão habilidades utilizáveis a qualquer altura ao jogador, como bloquear ataques inimigos e lançar pequenas bombas.

ARGH! Marujo já para o convés!

A implementação destas habilidades está magistralmente bem executada, já que muitas vezes é necessário utilizá-las durante o "gameplay normal", e novas cabeças que só dão para obter com uma destas habilidades podem estar escondidas em níveis onde ainda não se tinha acesso a elas, o que adiciona bastante à longevidade de Puppetteer, especialmente se se quiser completar o jogo a 100%. Estes poderes também são utilizados durante as boss battles, e de uma forma bem conseguida.

Quanto a estas, existem bastantes, já que todos os 12 generais constituem uma boss battle, e existem ainda Tecelões, que são como se fossem mini-bosses. Estas parecem refrescantes no início, já que não há padrões reutilizados e que de certa forma, são bastante divertidas com a obrigação de utilizar todos os poderes e até alguma destreza. No entanto, por volta do 8º ou 9º boss, as coisas começam a ficar monótonas. Mesmo que não haja um padrão comum, existem ataques-tipo e todos os combates desenrolam-se mais ou menos da mesma maneira.

É difícil de explicar, mas apesar de todos os bosses serem diferentes de si, os combates com eles são, de certa forma, iguais. Passado algumas horas de jogo apercebe-se que a forma de derrotá-los é bastante monótona. Utilizar habilidade X, cortar uma parte do seu corpo, utilizar habilidade Z, cortar outra parte do seu corpo, repetir até ser possível executar um quick time event à la God of War. É fácil entender o porquê de que mesmo que os bosses sejam efectivamente diferentes, estes não parecem diferentes ao jogador.

Há boss battles que são muito inovadoras

E o mesmo ocorre durante as secções de plataforma, que apesar de serem bastante inventivas e refrescantes durante grande parte do tempo, nos últimos dois actos, que equivalem a cerca de uma hora total de jogo, este encanto torna-se num ligeiro tédio, já que a dificuldade não aumenta e o gameplay mantêm-se o mesmo. Isto porque porque a última habilidade ganha por Kutaro acontece no início do sexto ato, e esta é talvez a menos desinteressante. A partir daí o jogo parece repetir-se um bocadinho e apenas é salvo do tédio completo pela sua inegável qualidade estética, musical e de escrita.

O que nos traz à apresentação, indiscutivelmente a melhor secção do jogo e o que eleva Puppeteer de um jogo bastante agradável a um jogo completamente inesquecível. Primeiro de tudo, há que dizer que existe uma coesão que é rara nos jogos de hoje em dia. Todos os seus componentes apontam para a ideia central de este ser uma apresentação de uma peça de marionetas. Sejam as cortinas sempre presentes que esvoaçam e abanam consoante a acção, a reacção da plateia, que apupa os vilões e aplaude Kutaro, ou todos os pequenos detalhes estéticos ou mesmo os cenários em constante rotação.

E que cenários, devo dizer. Detalhados, cheios de vida e um mimo visual, a qualidade incrível dos cenários são realmente o que faz a exploração de cabeças ser algo tão divertido no jogo. Mas também as personagens são espectaculares. Posso dar o exemplo do Rei Urso da Lua, que parece mesmo uma marioneta, com botões e pontos de costura, ou do General Cão, que é um robô e está repleto de fios e partes metálicas. Esteticamente fantástico, mas a qualidade gráfica também não fica atrás.

Os tecelões apresentam-se sempre ornamentados de acordo com o nível

Este é o jogo de plataformas mais bonito que já alguma vez vi, porque alia o poder bruto gráfico com uma excelente direcção artística. Devido à variedade dos temas de cada nível, é provável que haja um pelo qual o jogador se apaixone. Desde uma floresta japonesa até ao deserto, passando pelo meu favorito, o México, há uma grande variedade visual e temática no que diz respeito às zonas que Kutaro atravessa na Lua, e talvez isto é o que faz com que a repetibilidade no final do jogo não seja, na verdade, algo muito preocupante.

Em termos de animação, o trabalho fantástico da Japan Studio deu um enorme resultado. Todos os movimentos foram desenhados à mão e com um sucesso estrondoso. O jogo não só é fluído em termos de gameplay, parece ser fluído em termos visuais, com Kutaro a saltar, recortar e utilizar as suas habilidades com transições fantásticas, o que adiciona ainda mais ao grande controlo que se tem com Kutaro.

Quanto ao som, aliado a uma grande performance vocal está uma música composta pelo grande Pattrick Doyle, compositor condecorado de filmes como Harry Potter e o Cálice de Fogo e mais recentemente Thor. Nota-se que Doyle não deixou os créditos por mãos alheias e o resultado é uma soundtrack digna de ser levada no iPod para todo o lado, com músicas com cheirinho a música clássica e que encaixa incrivelmente com todo o jogo. Conta ainda com três divertidos números musicais que, mesmo não tendo sido traduzidos para português, fazem lembrar os clássicos filmes da Disney, e só pecam por serem poucos.

Puppeteer conta também com um modo de dois jogadores cooperativo em que o segundo jogador utiliza Pikarina e pode ajudar Kutaro ao procurar cabeças secretas e derrotar inimigos. Apesar de ser uma adição bem-vinda, este modo não é realmente o forte de Puppeteer, já que não é muito divertido para o segundo jogador e torna ainda mais fácil o jogo. Pode ser interessante para pais ou irmãos de jogadores mais novos, mas não é um jogo como Little Big Planet, que se torna ainda mais divertido com amigos. 

Mas o mais espectacular com Puppeteer é o facto de se notar claramente que este é um em que criadores trabalharam. Pode não ter o mundo expansivo de um Grand Theft Auto ou a história imersiva de um The Elder Scrolls, mas no entanto tem algo que por vezes falta a muitos jogos com orçamentos exorbitantes: alma. Nota-se o quanto é que as 30 e poucas pessoas que trabalharam em Puppeteer gostaram de trabalhar no jogo, especialmente em todos os detalhes e pequenos segredos que é possível encontrar ao longo do jogo.

Temos perante nós um Estalinurso. Ou um Hitlurso

Graficamente é sem dúvida do melhor que já se viu nas consolas da (ainda) actual geração. Se juntarmos a isto o facto de esteticamente ser fantástico, e de ter uma direcção artística magnífica, assim como uma variedade visual impressionante, podemos constatar que este é um dos jogos mais bonitos de sempre.




É um jogo que comete três falhas que prejudicam uma jogabilidade que de outra forma seria imaculada. A primeira é o facto de ser porventura demasiado fácil para qualquer jogador minimamente experiente em jogos de plataformas. A segunda é que não existe um incentivo mais destacado para a exploração e finalmente, as duas últimas horas de jogo podem parecer algo entediantes.



Estamos a falar de uma banda sonora espectacular que complementa extraordinariamente bem o que se passa em termos de jogabilidade, assim como um dos melhores trabalhos vocais de uma tradução portuguesa europeia que já tive a oportunidade de ouvir. Paulo Coelho, que interpreta o narrador, merece uma ovação de pé.



O jogo em si demora cerca de 10 horas a acabar, mas se se quiser completar pode-se perfeitamente adicionar mais 7 ou 8 horas de jogo. Se adicionarmos a isto o facto de o jogo ter sido lançado a apenas 40 euros, podemos entender que Puppeteer é um jogo com uma longevidade bastante boa.




Puppeteer é um jogo muito especial. Utilizar a tesoura para atravessar os níveis é das sensações mais satisfatórias que tive neste ano a jogar um videojogo e mesmo a pequena monotonia que se instala não impede a jogabilidade de ser, como um todo, refrescante e divertida. No entanto brilha certamente devido a uma apresentação magnífica, com o grafismo aliado à criatividade estética para formar uma experiência memorável e imperdível. E a um preço reduzido, é um crime relegar Puppeteer ao esquecimento.



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