Estarão os youtubers e streamers a destruir a imprensa especializada?



CRÓNICAS



A denominada "imprensa especializada de videojogos" é, hoje em dia, bastante diferente do que era há uns anos atrás. Na altura das NES e Mega Drives, em que a Internet ainda se estava a proliferar, o acesso à informação era muito mais escasso e sobretudo feito através de revistas especializadas na área.

No caso nacional, as revistas de videojogos aguentaram-se ainda até há cerca de dois anos atrás, onde a única publicação física que se conseguia aguentar nas bancas era a BGamer, muito devido aos jogos que oferecia todos os meses.

Os jogadores encontraram na Internet um acesso muito mais facilitado (e, ainda mais importante, gratuito) à informação, que matou por completo a necessidade de gastar dinheiro em revistas e publicações. Hoje em dia, temos acesso às novidades no próprio dia (como quem diz hora, minuto), numa leitura que não demora mais que uns vinte segundos.

Já lá vão os tempos em que nos deitávamos na cama ou sofá, com batatas fritas ao lado, a folhear a nossa revista de videojogos preferida que tínhamos acabado de comprar no regresso a casa depois da escola.

De certeza que muitos de nós ainda temos as nossas colecções de revistas num montinho lá em casa.
A imprensa especializada teve de se adaptar e hoje em dia há uma enchente de publicações e meios online, com todos os tamanhos e feitios. Mas sinto que estamos novamente em fase de mudança.

Os youtubers e streamers estão cada vez a ganhar mais força, e têm cada vez um impacto maior no jogador do que a imprensa em si. Até há pouco tempo o jogador baseava-se (em grande parte) nas análises de vários sites para determinar a qualidade de um jogo e ponderar a sua aquisição.

Hoje em dia quebrou-se de certa forma o estereótipo de jogo bom/jogo mau, para abraçar diferentes gostos e opiniões. O jogador procura agora um contacto mais próximo, mais descontraído e informal do jogo.

Cada vez mais o público se baseia em gameplays comentados dos seus youtubers preferidos para avaliar se um jogo é bom ou não, se presta ou não. E faz todo o sentido.

O PewDiePie faz confortavelmente mais de 5 Milhões de dólares por ano com o YouTube.

A transmissão de uma opinião descomprometida e sincera que se obtém através de um gameplay de um youtuber é muito mais clara do que a de um suposto website especializado que analisa todos os factores (técnicos e conceptuais) do jogo em si.

O jogador identifica-se muito mais com o youtuber que o faz rir, do que o reviewer que tentou escrever um texto completo e detalhado. E o youtuber muito, muito mais dinheiro que o reviewer. E a tendência é aumentar.

A vida de um streamer não é fácil. Muitos deles fazem mais de 12 horas de transmissões seguidas todos os dias. Nos dias com maior audiência, ultrapassam as 24 horas.

No caso dos streamers, os casos de sucesso são cada vez mais notórios. Se pegarmos no exemplo do Imaqtpie, ex-jogador profissional de League of Legends que agora apenas se dedica a fazer livestreams do jogo a tempo inteiro, este faz bem mais que 15.000$ por mês só de doações e subscrições.

O acto de doar dinheiro tornou-se numa coisa cool no Twitch, em contraste com as conotações mais pesadas que atribuímos quando vemos campanhas de doações para desastres naturais ou quando simplesmente um sem-abrigo nos pede uma esmola na rua.

Há uns tempos atrás por exemplo, enquanto assistia à livestream do Imaqtpie, havia duas pessoas que estavam a fazer concorrência de doações, e os valores já estavam a alternar entre 400$ e 600$ nesta disputa entre eles os dois. Num espaço de 10 minutos fez milhares de dólares.

E, pesquisando um pouco, facilmente achamos vários casos de doações de dezenas  de milhares de dólares a vários dos streamers conhecidos.

Ex-profissional de League of Legends, o Imaqtpie é das personalidades mais acarinhadas pela comunidade. Faz imenso dinheiro com as suas livestreams.

O que leva uma pessoa a doar tanto dinheiro a alguém que o entretém? Obviamente que não estou a colocar a competência do streamer em si. Entreter uma audiência de milhares de jogadores, e fazer com que estes se identifiquem com o streamer, requer imensa competência ou simplesmente um carácter natural que chama a atenção.

Muitos destes streamers são jogadores profissionais de qualidade, que ensinam imenso dicas sobre os jogos que transmitem. Mas também há vários casos (no YouTube ainda mais) em que o produtor de conteúdo não é propriamente alguém experiente mas simplesmente que entretém.

A imprensa especialidade nunca conseguirá atingir um nível de sucesso assim. Mesmo nos modelos actuais, o público cada vez mais apenas acesso os websites em busca das notícias diárias, mas as opiniões sobre os jogos vão buscar aos seus youtubers e streamers favoritos.

Mesmo em Portugal, há cada vez mais casos de sucesso. O Fer0m0nas, por exemplo, já tem mais de 2.6 Milhões de subscritores no YouTube.

Temos por exemplo o caso recente do CVG, uma das publicações mais antigas de jogos da história que teve de encerrar. A Eurogamer, outro exemplo, reconheceu que o modelo actual das análises começa cada vez mais a cair em desuso e retirou a pontuação das suas reviews, valorizando mais a opinião em si do que simplesmente o número que aparece no final.

E cada vez mais a tendência será essa: um contacto mais próximo com aquele que está a transmitir a sua opinião, não só de maneira informal mas também para entreter. A imprensa especializada terá de se adaptar mais uma vez, pois os moldes actuais não estão a dar lucros suficientes. Dando ainda mais um exemplo, o VideoGamer teve de recorrer ao Patreon para angariar fundos mensais dos seus leitores que quiserem contribuir com algum donativo. Escusado será dizer que, para um dos maiores media de jogos europeus, os valores actuais dos donativos que está a receber estão muito abaixo daqueles que um único youtuber ou streamer de sucesso factura.

Não se trata de uma questão de justiça ou mérito, mas sim de evolução. Como manda as leis da natureza, sobrevivem aqueles que mais se adaptam, e assim tem sido ao longo dos últimos anos também nesta indústria.

No nosso caso no Gamer Source, e de outros tantos a níveis nacionais, o facto de sermos uma equipa independente composta exclusivamente por estudantes, a trabalhar por paixão sem quaisquer fins lucrativos, torna tudo muito mais descontraído e descomplicado.

Mas no caso de um reviewer ou freelancer de família, que todos os meses escreve dezenas de artigos para conseguir pôr pão na mesa, o cenário torna-se cada vez mais difícil.

As coisas mudam. As pessoas mudam.



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