Sábado Sem Censura, por Ricardo Passos



CRÓNICAS



Sábado Sem Censura é a nossa rubrica semanal onde convidamos um autor de fora para vir descarregar o que lhe vai na alma.

Gajo convidado: Ricardo Passos, Foxbyte 

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Olá caros leitores do Gamer Source.

Parece que neste Sábado Sem Censura a vossa fonte de informação será com uma Raposa que há muito ansiava para morder este "novo" problema da indústria dos videojogos.

Para vos colocar um pouco a par do que tem acontecido nestes últimos dois anos, parece que se descobriu o "fogo" da internet. As pessoas têm corrido para os seus teclados para mostrar a sua indignação pelas situações mais fúteis e, não me perguntem como, têm estado a criar resultados. Há imensos estúdios de videojogos quem andam a ceder a estes choradinhos online como se fosse a única opção que têm, ou como se tivessem medo das represálias de que se não o fizessem.

Mas quais represálias?

Uma coisa que temos todos de meter na cabeça é que todas as pessoas da área criativa têm direito à integridade da sua obra, e podem tratá-la como bem entenderem. Os estúdios têm o direito de criar o que bem lhes der na cabeça e como bem quiserem e os críticos têm de saber avaliar as coisas pelo que elas são e não pelo que querem que elas sejam. 

Um exemplo prático disto é o que se vê constantemente a acontecer na fanbase da Blizzard, devido ao World of Warcraft. Muitos dos fãs não se calam com a porcaria do "No , Vanilla é que era"... Não, não era... Havia imensos desequilíbrios entre as classes, as raids eram complexas e trabalhosas, o PVP era esgotante e o jogo em geral era demasiado diferente daquilo que conhecemos no dia de hoje. Os bons críticos sabem criticar o jogo com base naquilo que evoluiu, porque em 2004 a estrutura de muitos videojogos era totalmente diferente daquilo que conhecemos hoje em dia. No entanto hoje lidamos com uma sociedade que prefere perturbar o dia a dia dos game devs pelas redes sociais com o que não gostam e a exigirem mudanças.

O que vale é que temos muitas empresas que não cedem a estas birras. Temos o caso do Katsuhiro Harada, que, quando o Tekken 7 foi criticado por feministas por causa da personagem nova chamada Lucky Chloe, escreveu que a personagem iria ser exclusiva para a Europa e Ásia, nas redes sociais. Embora tenha sido uma piada, na minha opinião, devia ter mesmo acontecido.

"Não gostas? Não sai no teu país"

É uma prática que costumo utilizar nas minhas aulas quando tenho um aluno problemático. Rapidamente vemos a turma toda a virar-se contra ele, independentemente de qualquer amizade que tenham. Teria sido bíblico!

Mas devo dizer que a Blizzard jogou bem com o baralho todo neste último caso. Falo, obviamente, do caso da Tracer, em que uma mulher criou um post no fórum do Overwatch a dizer que tinha uma filha que admirava a personagem, o que fazia com que uma das poses que podemos comprar ser "inaceitável".


Mas calma lá... Comprar?

Sim, a pose que levantou tanta polémica é OPCIONAL. Mas eu nem vou por aí. Vou mais por uma mãe que quer, ou gosta, que a sua filha admire uma personagem de um jogo, mas apenas das suas próprias normas. Pela maneira que o texto foi escrito no fórum, vou assumir que a filha dela deve ser recém-adolescente ou mais nova, o que leva a que esta situação seja um pouco mais perturbadora, visto que o Overwatch deverá ser um jogo avaliado para maiores de 16 anos.

O texto termina de uma forma "até agora têm feito tudo bem, mas aquela pose não". Desde quando? A Blizzard não fez nada de especial com a Tracer. Limitou-se a continuar o seu estilo para as suas personagens femininas, como é o caso da Nova, Jaina, Sylvannas e Kerrigan.

Contudo não é a isso a que eles se limitam, visto terem uma variedade de personagens soberba e de estilos diferentes.

A resposta da Blizzard deixou-me preocupado e ao mesmo tempo revoltado. Inicialmente pensei em escrever sobre isto de uma forma mais agressiva, mas ao ver o resultado da situação, ainda hoje me rio do gozo que a Blizzard e da oportunidade publicitária que aproveitaram com isto tudo. Aceitaram trocar a posição, sabendo que muitos dos fãs se iriam revoltar e fazendo com que a notícia fosse parar nos títulos de todos os sites. O que acabaram por fazer foi trocar por uma pose de uma pin-up girl


Mas nem todos os casos são como este. Em muitos casos os estúdios acabam mesmo por ceder às baboseiras das redes sociais, como foi o caso da Capcom que tirou a palmada no rabo da R. Mika. E podíamos ficar aqui a dizer as inúmeras vezes em que uma personagem foi criticada pela forma como foi concebida, sem contextualizar a mesma num jogo. A mais ridícula foi terem atacado o Daniel Vávra, produtor do Hidden & Dangerous e da série Mafia, que está a produzir o Kingdom Come: Deliverance, um sucesso do Kickstarter, porque as mulheres são representadas como donas de casa. Mas chumbaram a história? Estavam a dormir nas aulas? O jogo é uma experiência fiel aos tempos medievais, sendo que, foi comunicado vezes sem conta que o grande foco seria tentar trazer algo fiel e realista com tudo o que nós sabemos desses tempos. Para quem não sabe, nesses tempos as mulheres eram donas de casa. Cozinhavam, lavavam roupa, faziam os serviços domésticos. Algumas até chegavam a ser moeda de troca. Não havia direitos, não havia igualdade, não havia nada disso. Isto chegou ao ponto que nos Dev Updates, o Daniel Vávra começou a usar uma camisola com todo o tipo de insultos que recebeu por fazer um jogo “sexista”.

Que se foda a integridade artística, que se foda o contexto, que se foda a intenção. Se não gostamos, pedimos para mudar, porque o nosso umbigo é que tem de estar limpo.

Eu defendo situações em que os fãs se juntam e pedem aos produtores alterações porque algo está realmente mal. Podemos contar com situações como a do Witcher 3 em que foi melhorada as mecânicas de movimento, ou em jogos como MMOs e MoBAs quando a comunidade acha que há um desequilíbrio nas classes. Mas a isto chama-se dar feedback, e muita sorte temos nós porque na era da sexta geração de videojogos não podíamos reclamar e pedir um update.

Agora também há casos como o de Mass Effect 3, em que a equipa teve de lançar um DLC com um fim alternativo, porque as escolhas originais eram praticamente o mesmo e os fãs da série não gostaram. Muito honestamente, isto também não é um caso para os produtores mudarem as coisas, porque se envolve a campanha, não se pode mudar pequenos pedaços e esperar que o resultado seja totalmente diferente. Erraram. Errar é humano, e caberia ao estúdio tentar reconquistar os fãs com agora o Mass Effect Andromeda. Não há quick fixes para campanhas. Há casos como o de Max Payne 3 e Hitman em que os fãs tanto se queixaram, que os estúdios tiveram de trazer os voice actors antigos. Já no último Baldur’s Gate tiveram de retirar uma piada anti-gamergate, mais depressa que os Alemães tiraram os acontecimentos de 1939-1945 dos livros de história. Podem pensar que estão a melhorar os jogos, mas muitas vezes há razões pelo qual as decisões foram tomadas


A minha conclusão disto é que as pessoas andam a dar demasiado uso ao seu teclado por merdas insignificantes. Há situações na indústria que são mais alarmantes, como o caso de produtoras que andam a ser forçadas a tomar decisões contra as suas próprias ideologias de modo a que o jogo seja mais "apelativo", ou estúdios que decidem impor más políticas nos seus consumidores.

Todos temos o direito à crítica, mas uma crítica deve servir como feedback e não como imposição. Não podemos esperar que podemos dizer o que vai na cabeça e que os outros são obrigados a encarar isso como absoluto. Preocupem-se em jogar os jogos que vos dão o prazer de dizer "tempo bem gasto". Deixem as produtoras cometer os seus erros. De certa forma é essa a essência humana, não? A equipa da Quicksilver aprendeu com os seus erros ao ter conseguido unir dois públicos diferentes da série que ficaram separados no terceiro título 

PS: A culpa acaba por residir tanto nas pessoas que acham que é no seu direito de impor a sua opinião, bem como os estúdios que permitem que as suas obras sejam influenciadas por isso.

Agradeço à equipa do Gamer Source por me terem convidado para esta primeira edição do Sábado Sem Censura. Se me quiserem estarei na toca da raposa em Foxbyte.pt.



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