Sábado Sem Censura, por Rui Parreira



CRÓNICAS



Sábado Sem Censura é a nossa rubrica semanal onde convidamos um autor de fora para vir descarregar o que lhe vai na alma.

Gajo convidado: Rui Parreira, Split-Screen

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Videojogos à venda em retalho(s)

Olá a todos os leitores do Gamer Source! Obrigado pelo convite do editor para participar neste Sábado Sem Censura. Antes de mais, arranjar um tema que nos colocasse aqui a bracejar, em fúria, não seria muito difícil, pois esta indústria está repleta de lenha para queimar. No entanto, prefiro ver sempre o lado positivo do mesmo, afinal, o objetivo é divertimo-nos com este fantástico mundos dos videojogos, certo? Quem não gosta de adquirir um novo jogo e passar longas tardes com amigos e familiares em partidas cooperativas ou competitivas? Ou mesmo, ligar-se ao Discord ou Team Speak para desafiar os parceiros em modos online?


“(...) estava tudo bem, até me lembrar de algo que realmente me deixa irritado: as novas táticas de marketing para vender os videojogos.”


Os videojogos são o meio de entretenimento mais divertido, e provavelmente o menos dispendioso, se tivermos em conta o fator que os americanos chamam de "Bang for the buck", ou seja, o valor pago por algo tendo em conta a quantidade de horas de diversão que este nos propõe. A menos que…

…AS EDITORAS DECIDAM METER AS MÃOS NOS BOLSOS DOS JOGADORES, DE UMA FORMA DESONESTA E DISSIMILADA. 

Pronto, estava tudo bem, até me lembrar de algo que realmente me deixa irritado: as novas táticas de marketing para vender os videojogos.


Longe vão os tempos de incentivo, de descontos para pré-reservas, alguns miminhos físicos ou mesmo digitais. Antes, os jogadores que fizessem a pré-encomenda podiam receber versões limitadas dos jogos, os chamados Early Adopters, numa espécie de agradecimento das produtoras pelo suporte dos fãs.


Oferecem-se ainda conteúdos digitais, que no papel parecem incríveis e depois no jogo deixam muito a desejar – estou a olhar para ti, mamute do Far Cry Primal


Agora parece que vale tudo para garantir recordes de vendas no primeiro dia de lançamento – considerado atualmente o principal barómetro de medida, tal como os box offices do cinema nos Estados Unidos. Entre estes, o acesso antecipado a betas limitadas – normalmente em ambiente altamente controlado para garantir a finalização do negócio. Mas neste caso, algumas betas até têm o seu reverso da medalha, ao permitir que os jogadores tenham uma ideia do jogo bem a tempo de confirmarem ou cancelarem a sua compra.

Oferecem-se ainda conteúdos digitais, que no papel parecem incríveis e depois no jogo deixam muito a desejar – estou a olhar para ti, mamute do Far Cry Primal; entre outras táticas mais agressivas, como ter parte do jogo cortado e acedido gratuitamente apenas para quem fez a reserva; e pago à parte por quem perdeu o barco inicial. Enfim, podia continuar a listar as abordagens manhosas para garantir que as grandes cadeias de videojogos façam encomendas monumentais às editoras…


Outro fator que me deixa fulo é o sistema de conteúdos adicionais digitais, vulgos DLC. Nada contra as editoras que chegando à conclusão de que o seu jogo teve sucesso e está a ser bem-recebido, decidam prolongar a sua vida útil criando mais conteúdo, seja ele gratuito ou pago – veja-se o excelente exemplo de The Witcher 3. O que me deixa fo… (meter então aqui um pii) é quando sinto que o conteúdo lançado há poucos dias, ou mesmo anunciado antes do lançamento do jogo, seja cortado às postas para depois ser vendido à parte. A Capcom foi inclusivamente apanhada em flagrante com conteúdo trancado em disco no último Marvel Vs Capcom, desbloqueado digitalmente após aquisição posterior…


O problema é quando esses mesmos jogadores/fãs são utilizados como cobaias, como beta testers, e sobretudo quando para tal necessitam de pagar pelo mesmo.


Se antigamente as betas chamavam-se demos, agora até temos acesso a versões alpha, ou seja, os produtores tentam sacar as primeiras impressões diretamente do protótipo. E como tal, rotulam-na como tal "work in progress", para que todos os problemas e mecânicas menos bem conseguidas possam ser desculpados, e esperamos nós, corrigidas ao longo da produção. Nada contra, acho excelente os jogos serem produzidos com o feedback direto dos jogadores e respetivos fãs.

O problema é quando esses mesmos jogadores/fãs são utilizados como cobaias, como beta testers, e sobretudo quando para tal necessitam de pagar pelo mesmo. É aquilo que os produtores "carinhosamente" chamam de Early Access. Para mim, é a praga atual, cada vez mais vigente - os jogos saírem neste formato. Ou seja, os jogadores pagam o preço final do título em questão, e podem jogar de imediato as versões disponíveis ao longo da produção. Se algumas vezes estas estão já bastante polidas, na maioria são realmente versões muito embrionárias. E em casos extremos, há uma boa percentagem de títulos que nunca chegam à fase final de produção, mantendo-se eternamente em Early Access. 


Ainda que o sistema de Early Access seja um instrumento vital para os pequenos produtores, que além da mão-de-obra espontânea para testar os jogos, também lhes fornece algum retorno monetário para continuar o projeto; certas editoras de renome aproveitam-se do conceito para esmiuçar os interessados. 

Longe vão os tempos em que o processo era algo em torno deste processo:
  1. Jogo anunciado, com imagens e vídeos
  2. Demonstração algum tempo antes do lançamento do jogo, ou em simultâneo com o mesmo.
  3. Eventuais patchs para correções rápidas, dias depois do seu lançamento.
  4. O jogo teve sucesso, então faz-se um pacote de expansão…
  5. …para entreter os fãs até à sequela
  6. Repete o processo do primeiro ponto para uma eventual série…

Atualmente, o panorama da indústria é algo parecido com isto:
  1. Jogo anunciado – imagens, vídeos, pré-encomendas, incentivos, e se possível, uma polémica associada para manter o lume quente.
  2. Campanha de angariação de fundos em algum serviço de crowdsourcing.
  3. Disponibilização de uma versão Alpha a quem financiou a angariação;
  4. Disponibilização de uma versão beta a quem fizer a pré-reserva do jogo.
  5. Anúncio dos primeiros DLC e incentivos à Season Pass do jogo.
  6. Lançamento do jogo em Early Access, com a promessa de um dia ser lançado a versão 1.0, a full price.
  7. Lançamento do jogo e primeiros DLC disponíveis, acompanhados de edições de colecionador com mais incentivos.
  8. Mega patch de 40 GB para o day one do lançamento do jogo.
  9. O jogo tem sucesso, continua-se a milkar a vaca com fatos e skins alternativos. Nada de conteúdo substancial adicional.
  10. Lançamento de expansão DLC extra que não está contemplado no Season Pass.
  11. É anunciado que o jogo terá uma base de lançamento anual, repetindo-se o processo todo do primeiro ponto… 

É certo que a indústria dos videojogos, como qualquer outra, encontra-se em constante mutação. Mas raramente vemos mudanças que vão ao encontro dos jogadores, dos consumidores. Se a revolução da distribuição digital proliferada pelo Steam anunciava redução nos preços dos jogos – por cortar uma série de etapas e intervenientes no processo de retalho; o facto é que este veículo gerou novas formas de exploração dos produtos: as micro-transações, os DLCs, os Early Access, etc. Feitas as contas, os jogadores gastam agora mais dinheiro no seu jogo favorito, do que há 15 anos atrás… 

Acham que existe algo mais irritante que isto?

Rui Parreira



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