Internar os viciados em videojogos



CRÓNICAS



Recentemente tem sido alvo de muita atenção mediática o internamento de jovens com elevado grau de dependência pelo jogo. Esta não é a primeira vez que a imprensa nacional decide alertar para os perigos do vício. De tempos a tempos, parece que gostam de pegar neste tema para enfiá-lo no meio do telejornal ou porque é mediático o suficiente para o público-alvo que compra o Correio da Manhã.

Eu sou totalmente a favor de que a dependência dos videojogos é um problema. Também sou totalmente a favor da luta contra a dependência do álcool, das drogas, do tabaco, do casino, do telemóvel, das redes sociais, dos maus hábitos alimentares, do sexo, da masturbação, do ginásio, da ex-companheira, da Casa dos Segredos...

Pensando agora bem, acho que sou a favor da luta contra qualquer tipo de vício. É próprio do ser humano procurar refúgio da realidade em algo que prenda o seu cérebro quando essa realidade não nos agrada. E essa escapatória pode assumir várias formas, umas mais perigosas que outras, mas todas perigosas. É importante realçar, no entanto, que o problema não está no vício em si mas na dependência da pessoa pelo vício. E o "tratamento" (odeio esta palavra) que a pessoa deve receber não deve reincidir sobre o vício em si mas sob a forma como a pessoa vê o vício.


É bom entretermo-nos com coisas que nos distraiam, mas temos de ter cuidado para não nos entretermos demasiado com uma coisa que nos distraia. O poeta alemão Bertolt Brecht dizia "Um homem deve ter pelo menos dois vícios. Um só é demasiado.". Se o nosso hobbie começa a entrar em conflito com as outras coisas que também gostamos de fazer, então talvez tenhamos de nos equilibrar um pouco melhor.


“É importante realçar, no entanto, que o problema não está no vício em si mas na dependência da pessoa pelo vício.”


Costumo fazer sempre a comparação do ficar em casa a jogar com o sair à noite com os amigos. Nenhuma das coisas é "melhor" que a outra. Se ficar em casa numa sexta-feira à noite pode não ser a definição de jovem saudável para muita gente, ir para um ambiente de álcool e fumo numa discoteca também pode não ser a definição de diversão para muito jovem saudável.

Mas não se trata de optar pela opção que parece menos prejudicial, trata-se de diversificar. Haverá certamente dias em que nos apetece ficar em casa, mas é importante contrabalançá-los com os dias em que os nossos amigos planeiam uma grande jantarada. Trata-se de não cair no exagero de tomar sempre a mesma decisão, seja a de ficar em casa, seja a de sair à noite.


Claro que a nossa imprensa gosta de pegar nos vícios dos videojogos e tratá-lo como um vício à parte dos restantes. "O vício dos jovens", "o vício desta geração", "o vício nerd" são designações que não ajudam a combater o problema, só o tornam mais mediático e grave porque dessensibiliza o carácter daquele que está afectado. Todos nós somos susceptíveis de vícios, e não há vícios melhores que outros.


“Dizer que jogar mais de uma hora por dia cria hábitos de dependência só incita os pais a criarem uma restrição para um problema que a criança à partida pode nem ter.”


Também não ajuda em nada o carácter parcial com que a imprensa aborda o tema, encarando sempre o jogo da forma mais polémica possível e visando buscar a opinião dos especialistas/psicólogos que concordem com a sua visão sensacionalista. Porque realçar os benefícios dos jogos não vende revistas.

E certamente não ajuda quantificar o número de horas a partir do qual jogar se torna "perigoso". Dizer que jogar mais de uma hora por dia cria hábitos de dependência só incita os pais a criarem uma restrição para um problema que a criança à partida pode nem ter. E restrições na mente de jovens tornam-se em desafios, desejos proibidos, e isso é bem mais perigoso.


Se em vez disso o objectivo fosse sensibilizar para os benefícios/perigos dos videojogos, em vez de incessantemente julgar quem prefere passar uma noite a jogar do que ver a novela, talvez tivéssemos uma opinião geral bem mais formada e adequada à realidade.

Claro que o papel dos pais é muito importante, mas para os pais poderem fazer o seu papel tem que haver boa informação. Se os livros de "Como cuidar do seu bebé" fossem escritos com o mesmo tom sensacionalista que a imprensa aborda os videojogos, hoje em dia teríamos pais a internar o filho por tudo e mais alguma coisa.


“Conversar com o jovem sobre os benefícios e perigos do jogo, tal como sobre tudo o que na vida se torna perigoso quando feito em demasia, é o passo certo a tomar.”


O papel da família deve ser sempre o de proteger, e acima de tudo acompanhar o filho, sobretudo nas idades tenras. Há classificações etárias, opções parentais nas consolas e todo o tipo de ferramentas para ajudá-los a compreender e gerir o jogo. A criação de bons hábitos de gestão de tempo/responsabilidades é fundamental e não há nada que substitua a sua importância. Melhor do que tratar um vício é evitar que ele apareça.


Mas se aprendemos alguma coisa com Eva e a maçã, é que a melhor maneira não é a de impedir mas sim a de consciencializar, da mesma forma que se Eva tivesse consciência do que aconteceria se pegasse na maçã, provavelmente tê-la-ia deixado quieta.

Conversar com o jovem sobre os benefícios e perigos do jogo, tal como sobre tudo o que na vida se torna perigoso quando feito em demasia, é o passo certo a tomar. Porque quando implementamos esta concepção na cabeça de uma criança, ela levará esta precaução em conta para tudo na vida.

Mas escrever que "jogar faz mal" só porque há casos graves de dependência só mancha o carácter de quem joga por diversão e o da imprensa nacional, como se ambos já não tivessem suficientemente manchados.



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